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Entregador do Rappi morre durante entrega
2019-07-26T22:55:36Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Achados & Perdidos Entregador do Rappi morre durante entrega
Por Ana Luísa Pinto
https://passapalavra.info/2019/07/127218/
09/07/2019
1539
Originalmente publicado aqui em 03 de junho de 2019.
ALERTA! DENÚNCIA!
Neste fim de semana, mais especificamente no sábado 05 de julho, uma tragédia aconteceu. Era uma noite fria em que os 5ºC estavam longe de ser o maior problema.
De Perdizes, fiz um pedido na Rappi Rappi e ao receber a entrega, eu e meus companheiros (Fernanda Ribeiro, Marcella Dinelli Veterinária e Guilherme Makansi) fomos surpreendidos pelo mal súbito de Thiago.
Thiago era entregador desta empresa e finalizava seu serviço antes de ir para a casa, quando começou a sentir-se mal.
Narrou dor de cabeça forte, náusea e pressão baixa. Junto a isso, ele tremia muito e vomitou algumas vezes.
Começamos a tomar as providências e enquanto ligávamos para o SAMU SAMU 192 SÃO PAULO, pegamos cobertores para que ele se aquecesse. Em seguida, entramos em contato com a Rappi que, sem qualquer sensibilidade, nos pediu para que déssemos baixa no pedido para que eles conseguissem avisar os próximos clientes que não receberiam seus produtos no horário previsto.
Foi então que pedimos o contato de algum familiar e ele, balbuciando, nos encaminhou para a sua irmã Dayane. Explicamos a situação e ela, prontamente, se propôs a nos encontrar na calçada em que aguardávamos a ambulância.
Thiago desmaiou. Parecia que ele estava tendo uma convulsão, seu corpo e membros todos rígidos e sua respiração bastante dificultosa fazia bastante barulho.
Muito assustados, viramos ele de lado para que não se engasgasse e disparamos mais ligações para o SAMU Serviço De Atendimento Samu e Bombeiros. Fizemos todos os testes que nos orientaram pelo telefone e enfatizamos diversas vezes a urgência do caso.
Sem qualquer resposta que nos indicasse que o socorro estava vindo, paramos dois motoboys na rua que nos ajudaram a pensar em soluções.
Mais ligações pra rappi, mais ligações pro samu, mais ligações pros bombeiros e nada. Até para a polícia ligamos, sem resposta.
Foi neste desespero que resolvemos pedir um Uber para levá-lo, nós mesmos, para o Hospital. Sua irmã já havia chegado e Thiago continuava inconsciente, sem nenhum reflexo.
Carregamos ele para dentro do carro sob o argumento de que omissão de socorro é crime, mas nada adiantou. O Uber se recusou a fazer a viagem.
Nesta mesma hora, um carro com amigos de Thiago chegou, rapidamente o transferiram de um carro para o outro e saíram em disparada para o Hospital das Clínicas, bem próximo de onde estávamos.
Ele deu entrada na UTI e seu diagnóstico era AVC.
Hoje, recebemos a ligação de sua ex-mulher, Marisa, e ele havia falecido.
Thiago deixa uma filha pequena e a sensação de indignação em todos nós. Foram duas horas aguardando socorro e a omissão de seus empregadores e do Estado nos causa profundo sofrimento.
Lamentamos muito esta e todas as outras vidas perdidas em função do descaso e violência a que somos submetidos pelo poder público e pelas relações precarizadas de trabalho.
Importante ressaltar que até a própria posição do Uber em negar atendimento revela não só uma postura individual, mas reitera a situação precária de trabalho.
Somos pela vida, pela humanização e, principalmente, pela justiça. Não vamos nos silenciar diante deste acontecido e vamos mais fortes buscar a garantia de direitos.
Peço que compartilhem se possível, para que possamos ter ao menos um posicionamento da Rappi e do Estado.
Movimento dos estagiários da Defensoria
2019-07-26T22:50:24Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Brasil Movimento dos estagiários da Defensoria
No mundo jurídico, são os estagiários que redigem a maior parte das petições, denúncias, acórdãos e sentenças.
Por Uma estagiária da Defensoria Pública
28/06/2019
814
Na última segunda-feira (17/06), estagiários de mais de quase 40 unidades da Defensoria Pública de São Paulo (DPE-SP) paralisaram suas atividades reivindicando aumento do valor da bolsa estágio e um auxílio transporte compatível com os custos desse serviço. O valor da bolsa dos estagiários da instituição está abaixo do salário mínimo e não tem reajuste desde 2012, período em que sofreu uma desvalorização de 50%.
A DPE-SP faz uso da mão de obra de milhares de estagiários, sendo estes estudantes de direito, estudantes de outros cursos superiores e secundaristas. Os estagiários de direito, maioria na instituição, são os responsáveis por redigir quase todas as peças jurídicas e realizar os atendimentos com os assistidos pela Defensoria – fazendo, na prática, a maior parte do trabalho dos defensores públicos. O volume de trabalho exorbitante da Defensoria Pública, incompatível com o número de defensores, faz a instituição extremamente dependente de seus estagiários. Apesar da importância de seu trabalho, os estagiários, junto com os servidores públicos da DPE-SP, formam massa de trabalhadores precarizados da instituição.
Defensoria Pública – estágio elitista?
No mundo jurídico – como disse acima – são os estagiários que redigem a maior parte das petições, denúncias, acórdãos e sentenças. A mão de obra dos estagiários é a mais rentável para os escritórios de advocacia, que contratam estudantes sem vínculo empregatício e por um valor muito mais baixo para realizarem os trabalhos que deveriam ser feitos por advogados já formados. Os escritórios são também, ironicamente, os que menos respeitam a lei de estágio. Chovem relatos de estagiários que deixam de ir para aula “porque ficaram trabalhando até de madrugada no escritório no dia anterior”.
Os escritórios de advocacia de São Paulo pagam aos estagiários, em geral, mais que o dobro que os órgãos públicos. Diversos estudantes deixam de estagiar na Defensoria Pública, mesmo sabendo que “é o estágio em que mais se aprende”, porque não é possível viver com a bolsa paga pela instituição. Dessa forma, como afirmaram os estagiários em reunião realizada com a coordenação da Defensoria, “a DPE afasta os estudantes de baixa-renda que mais dependem do valor da bolsa”.
Em que pese a afirmação feita na reunião, a maioria dos estagiários na Defensoria Pública precisa da bolsa-estágio para seu sustento. Por meio de concursos publicos realizados bimestralmente, a DPE de São Paulo contrata estudantes das mais diversas faculdades de direito, que, em grande parte, dependem de programas de bolsas e financiamentos, como Prouni e FIES. Mais do que os escritórios, que procuram estudantes das faculdades consideradas “mais tops”, a Defensoria seleciona milhares de estudantes de baixa-renda.
O aperto no fim do mês; a discrepância em relação ao salário trinta vezes maior dos defensores; e a consciência do valor do seu trabalho para a instituição são elementos que explicam a gigante adesão ao movimento em todo o estado de São Paulo.
Organização no local de estágio
O movimento pelo aumento da bolsa-estágio começou quando um pequeno grupo de estagiários do centro de São Paulo decidiu reunir-se para conversar sobre o assunto. No mês de abril, o grupo fez abaixo-assinado online pelo aumento da bolsa, que, com a ajuda de defensores e servidores, foi assinado por mais de 1200 estagiários. “Os servidores e defensores ajudaram a gente a conseguir os contatos dos estagiários de outras defensorias para espalhar o abaixo-assinado”, conta um estagiário da DPE. Já em maio, os estagiários escreveram coletivamente uma petição – uma velha conhecida da categoria – em que fundamentaram seu direito ao aumento e formularam propostas de valores com base no orçamento da DPE-SP. A petição, junto com o abaixo-assinado, circulou na lista de emails.
Em junho o grupo de estagiários do centro disparou no e-mail um “Google formulários” para avaliar a possibilidade de paralisação dos estagiários da Defensoria. O formulário sugeria duas opções de datas para a paralisação – uma quinta-feira (13/06), por ter maior impacto na DPE, ou na sexta feira (14/06), data da greve geral contra a reforma da previdência e os cortes na educação. Como não receberam um número de respostas suficientes a tempo, os estudantes marcaram assembléia para re-agendar a paralisação. Uma estagiária que participou contou que “não tinha muita gente na assembléia, mas todo mundo que foi estava disposto a paralisar”.
Naquele dia, além da assembléia “central”, estagiários de diversas regionais organizaram suas próprias reuniões. E na mesma tarde, várias unidades espalhadas pela cidade de São Paulo, região metropolitana, litoral e interior mandaram e-mail aderindo à paralisação. Via e-mail e Whatsapp, os estudantes contatavam a todo momento um número cada vez maior de estagiários e de regionais que paralisavam seus trabalhos, principalmente por se sentirem seguros com os números de entidades que aderiam. “A gente foi organizando assim, cada um ia falando com uma pessoa”, explicou uma estagiária. Outra estagiária contou que “uma coisa que ajudou foi que o interior achou que uma parte massiva de São Paulo já tinha topado paralisar, aí eles todos confirmaram também”.
Com poucas exceções, os estagiários se organizaram na véspera. Estagiária de uma regional, que soube da paralisação com quatro dias de antecedência, contou: “no mesmo dia conversei com o meu defensor e com as outras estagiárias da minha banca, passei de sala em sala, pedi licença a cada um dos defensores e me dirigi diretamente aos estagiários”, e que no dia seguinte todos os 32 estagiários já tinham aderido. Outra narrou: “sorteamos uma pessoa para ficar no atendimento na minha vara por insistência dos defensores. Mas depois, como descobrimos que o defensor não ia ter audiência, e poderiam fazer os atendimentos, conseguimos exigir que não ficasse ninguém”.
Como bem colocado por estagiário da Defensoria Pública de Mogi das Cruzes: “foi algo que todos não viam a hora de acontecer e quando aconteceu não deixamos passar”.
União servidores–estagiários
No dia da paralisação, aproximadamente 80 estudantes, de mais de 10 regionais que paralisaram, foram para o ato no centro. Como a organização anterior era muito incipiente, a maior parte dos estagiários se conheceram durante a manifestação. Os estudantes não tinham instrumentos ou faixas. Todos os materiais utilizados no ato – tinta, cartazes, buzinas e mega-fone – foram emprestados pela Associação dos Servidores e Servidoras da Defensoria Pública (Asdpesp).
Os servidores da Defensoria Pública de São Paulo somam aproximadamente 500 oficiais de nível médio e 200 agentes de nível superior, que trabalham espalhados pelas unidades da Instituição. Alguns dos materiais da Asdpesp eram os mesmos que os servidores utilizaram em 2016, quando a categoria fez greve por um mês reivindicando reajuste salarial. Além de emprestarem os materiais para o ato, os servidores ajudaram os estagiários a escreverem a petição e auxiliaram na negociação durante as reuniões com a Administração. Quando vazou um e-mail da 1ª Subdefensoria Pública Geral solicitando os nomes dos estagiários que paralisaram para tomarem as “providências pertinentes”, foram os agentes que cobraram a 1ª Subdefensoria por estar perseguindo estagiários. O trabalho conjunto com os servidores, foi, sem dúvidas, fator que ajudou a mobilização a crescer.
Parando um serviço público de assistência social
O alegado papel social da Defensoria Pública, instituição incumbida da missão de defender os necessitados, tem sido um dos obstáculos para a mobilização dos estagiários. Alguns coordenadores contrários ao movimento argumentam que um órgão público que cumpre função social “não deve entrar em greve em respeito aos seus assistidos”. O posicionamento tem sido abraçado por uma parcela dos estagiários, que, reproduzindo até mesmo um discurso de esquerda, posicionam-se contrariamente à paralisação ou propõem que as varas com mais atendimentos continuem em funcionamento. Nesse contexto, a construção de uma reivindicação dos estagiários junto com o público atendido pela DPE-SP aparece como um desafio. Quais estratégias são possíveis para fortalecer esses laços?
Também é complicador para o movimento o alto número de estagiários voluntários, que, em maioria, não se identificam com a reivindicação. Além da busca por aprendizado, eles são atraídos pelo discurso social da instituição, optando por trabalhar sem receber porque “acreditam no trabalho da Defensoria”. Até mesmo a própria concepção de estágio: contratação de força de trabalho precária e barata com a justificativa de oferecer aos aprendizes conhecimento prático profissional, explica porque é considerado normal estagiários receberem mal ou até trabalharem de graça.
Outra consequência da dita aura social da Defensoria, combinada com a própria formação jurídica, é o entendimento da luta dentro de uma lógica de direitos. A Defensoria não tem feito uma repressão aberta aos seus estagiários – o que pegaria muito mal para uma instituição tão democrática – mas pequenos desrespeitos da DPE com os “nossos direitos” já surpreendem os estagiários que tem fé na instituição. Parte de nós acredita que não descontariam da nossa bolsa porque “temos direito a greve”, ou que a Defensoria vai aumentar o valor que recebemos simplesmente porque cabe no orçamento e a reivindicação é legítima.
A rotatividade
Os estagiários da Defensoria não podem passar mais de dois anos na instituição e nem têm chance de serem efetivados. Assim, se por um lado não têm tanto a perder, por outro têm menos a ganhar, já que a rotatividade do conjunto de trabalhadores é alta. Muitos dos estagiários mobilizados sabem que nem estarão mais na DPE-SP caso o possível aumento seja implementado. A rotatividade faz também com que pareça que a mobilização de estagiários está começando sempre do nada, ficando esquecidos outros movimentos anteriores nesse sentido. Por exemplo: em 2007 estagiários paralisaram por conta na alteração no cálculo da bolsa, que até então deveria ser no valor de 10% do salário do defensor, e que deixou de ser com aumento salarial significativo dos defensores.
Como manter memória de lutas no estágio e construir essas continuidades? Alguns dos estagiários atuais apontam um possível caminho. Quando perguntados: “por que que vocês estão tendo tanto trabalho organizando essa luta?”, eles responderam: “porque já estamos com muita raiva dessa situação absurda e saber que os estagiários novos vão ter condições melhores já vale a pena!”.
FONTEPassa Palavra
Classe / identités
2019-07-26T22:45:55Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Traduções Classe / identités
Aujourd’hui, alors que s’ouvre un nouveau cycle de luttes, à partir de son niveau le plus bas, il est indispensable de distinguer entre la politique de classe et la politique des identités, sans envisager la possibilité d’une alliance entre elles.
Par João Bernardo
18/07/2019
195
A versão original se encontra aqui.
La classe ouvrière peut être définiesur le plan économique ou sur le plan sociologique. Il est essentiel de ne pas confondre les deux dimensions.
J’aidé fini le temps comme la substance du capitalisme[1], parce que la plus-value, c’est-à-dire le processus d’exploitation, est produite et résulte de contradictions qui se déploient dans le temps. Ceux qui contrôlent leur propre temps de travail, ou participent à ce contrôle, et qui contrôlent simultanément le temps de travail des autres constituent les classes exploiteuses (bourgeois et gestionnaires[2]). Ceux qui ne contrôlent ni leur temps de travail, ni celui des autres, forment la classe ouvrière. Ceux qui contrôlent leur temps de travail, mais ne contrôlent le temps de travail de personne, se situent en dehors du mode de production capitaliste, avec lequel ils n’entretiennent une relation que par l’intermédiaire du marché (artistes, artisans et ce qu’il reste des anciennes professions libérales).
A ce niveau économique, la classe ouvrière a une existence permanente et vérifiable. La gestion des ressources humaines est au cœur des préoccupations de tout patron ou administrateur, et les «ressources humaines» ne sont qu’un euphémisme pour éviter de mentionner la «classe ouvrière».
Toute personne qui s’intéresse aux analyses publiées par les théoriciens et les techniciens du capitalisme sur les systèmes de production et les défis posés à l’administration des entreprises est inévitablement confrontée à la classe ouvrière. Aucune étude économique ne peut être menée sans que ce facteursoit pris en compte. Les conflits qui surviennent dans les relations de travail, des conflits plus passifs et individuels auxplus actifs et collectifs, visent à perturber ou interrompre le flux du temps de travail (ou du moins ont pour effet dele perturber ou de l’interrompre). Les techniques de gestion visent essentiellement à éviter, ou anticiper, les mouvements d’insatisfaction et de protestation, afin que le temps de travail puisses ’écouler sans interruption. Tel est l’antagonisme interne qui s’exprime dans le temps en tant que substance du capitalisme, et c’est sur ce plan-làque la classe ouvrière manifeste en permanence son existence.
Sur le plan sociologique, cependant, la classe ouvrière n’a jamais réussi à conserver une existence permanente. Les travailleurs ne sont conscients de leur réalité en tant que classe que lorsqu’ils affrontent activement la totalité des capitalistes. Ce n’est que dans cette confrontation que la classe ouvrière peut exister sur le plan sociologique.
En 1846-1848, la classe ouvrière assuma une existence sociologique au niveau européen, des îles britanniques au sud de l’Italie, du Portugal à la Pologne divisée. La classe ouvrière repritune existence sociologique dans un espace plus vaste, comprenant toute l’Europe et les États-Unis, de la fin de la Première Guerre mondiale au début des années 1920. Plus récemment, et à l’échelle mondiale, la classe ouvrière aassumé de nouveau une existence sociologique entre les années 1960 et lesannées 1980. Peu de personnes le savent aujourd’hui (ou en tout cas peu d’entre elles souhaitent s’en souvenir), mais à cette époque nous étions sur le point de gagner, comme je l’ai écrit dans «Epilogo et prefacio (um testemunho presencial)[3]».
A cette époque, le capitalisme était empêtré dans la dernière de ses crises économiques structurelles et l’unification internationale de la classe ouvrière sur le plan sociologique semblait rendre imminente la transformation de cette crise structurelle en une crise finale. Mais la situation s’est inversée et, au cours des dernières décennies, un capitalisme mondialisé a réussi à manipuler sans grande difficulté les travailleurs fragmentés et dispersés[4]. «Le capitalisme suppose la production de spécialistes et la balkanisation du savoir, a écrit Paul Morrison; l’élimination ou la diabolisation de toute perspective mondiale ne peut que servir les intérêts d’un ordre économique qui se définit lui-même par la mondialisation» (The Poetics of Fascism. Ezra Pound, T. S. Eliot, Paul de Man, Oxford University Press, 1996, p.14). Aujourd’hui, la classe ouvrière n’existe pas sur le plan sociologique.
L’hégémonie acquise par les identitarismes[5] sur le plan sociologique et idéologique est l’expression directe de la disparition de la classe ouvrière surce plan. Cette hégémonie est tellement aboutie que la gauche – ou ce qu’un vocabulaire dénaturé continue d’appeler «la gauche[6]»–présente les travailleurs comme une identité parmi d’autres identités avec lesquelles ils pourraient s’allier. La disparition sociologique et idéologique des travailleurs en tant que classe et leur insertion dans l’échiquier des identités représentent la plus grande victoire de l’identitarisme.
L’affirmation des identités reproduit tous les vices du nationalisme. Comme l’avait averti Paul Valéry en 1931, à l’époque où les nationalismes devenaient menaçants:
«L’Histoire est le produit le plus dangereux que la chimie de l’intellect ait élaboré. Ses propriétés sont bien connues. Il fait rêver, il enivre les peuples, leur engendre de faux souvenirs, exagère leurs réflexes, entretient leurs vieilles plaies, les tourmente dans leur repos, les conduit au délire des grandeursou à celui de la persécution, et rend les nations amères, superbes,insupportables et vaines»
(Regards sur le monde actuel et autres essais, Gallimard, 1945, p.27). Cette description s’applique aujourd’hui parfaitement à l’identité.
Mais les nationalismesse référaient au moins à des frontières fixes, alors que les identités, réelles ou supposées, projettent leur hystérie surdes horizons indéfinis, puisqu’elles revendiquent des limites fluides, qui se chevauchent et sont même subjectives. Et tout comme le nationalisme s’est incarné, sous ses formes les plus plus extrêmes et aussi les plus délirantes, dans le racisme, et s’est engagé dans une ronde folle qui passait de la culture à la biologie, et de la biologie à la culture, l’identité fait demême, voltigeant de la couleur depeau au genre, en passant par n’importe quel autre élément. Depuis de nombreuses années, j’ai montré que l’oscillation entre la biologie et la culture dans le national-socialisme avait une affinité étroite avec l’oscillation identique qui caractérise la forme moderne du féminisme[7].On peut en dire autant de ces mouvements noirs capables d’affirmer que «Le métissage est aussi un génocide[8]» et d’invoquer les phénotypes avec le même zèle que ceux invoqués par les théoriciens des races. Les identitarismes reproduisent non seulement les formes les plus perverses du nationalisme, mais également la forme la plus perverse des fascismes, le racisme national-socialiste.
Cependant, les nouvelles identités partagent surtout avec l’ancien nationalisme un aspect principal: leur caractère supra-classiste. Alors que l’affirmation de la classe ouvrière sur le plan sociologique brise, ou cherche à briser, la sociétéde manière horizontale, en marquant clairement le clivage entre ceux qui produisent la plus-value et ceux qui se l’approprient, le nationalisme et l’identitarisme réunissent les travailleurs et les capitalistes autour d’un mythe commun, géographique, ou culturel et biologique.
Or, toute forme d’union entre exploiteurs et exploités a pour effet immédiat de consolider le processus d’exploitation. L’histoire l’a montré abondamment dans le cas des nationalismes. Dans le cas des identitarismes, nous retrouvons le même résultat avec la politique des quotas, qui mobilise des masses de personnes appartenant, ou étant supposées appartenir, à une identité définie, afin de promouvoir l’ascension sociale d’un petit nombre d’entre elles, de les convertir en une nouvelle élite ou de les insérer dans l’élite existante. De même que l’expansion territoriale acquise par des moyens militaires était le résultat logique des nationalismes, la promotion des élites grâce à la politique des quotas est le résultat logique des identitarismes.
Il est certain que, dans la vie courante, les choses semblent confuses, dans les conflits quotidiens, les relations dans les cafés. Qui conque vit dans la confusion ignore comment se débarrasser de ces difficultés. Mais la fonction de la science, et son équivalent en politique, est précisément de simplifier et de définir et délimiter correctementles questions. Le problème est qu’aujourd’hui, il n’existe pratiquement plus que deux types de marxisme: le marxisme d’avant Galilée et le marxisme-éponge.
En ce qui concernele premier, tout comme les opposants de Galilée refusaient d’observer avec une lunette astronomique les satellites de Jupiter et restaient fidèles à la cosmographie grecque, ces marxistes refusent d’analyser les statistiques et se contentent d’ânonner les textes du maître. Ils ont disparu du royaume desvivants pour s’installer aumusée des momies.
Le marxisme-éponge, pour sa part, absorbe tout ce que les marées lui apportent. Au niveau du vocabulaires a manœuvre est simple: il suffit d’accoler l’adjectif «marxiste» à n’importe quel type d’identitarisme. Sur le plan politique l’opération est toute fois plus compliquée eta les mêmes effets qu’eurent, entre les deux guerres mondiales, les connivences entre le marxisme et les nationalismes: d’un côté, elles précipitèrent les masses travailleuses dans les bras du fascisme et, de l’autre part, elles accélérèrent la dégénérescence extrême du marxisme qu’était le stalinisme.
Aujourd’hui, alors que s’ouvre un nouveau cycle de luttes, à partir de son niveau le plus bas, il est indispensable de distinguer entre la politique de classe et la politique des identités, sans envisager la possibilité d’une alliance entre elles.
Traduit par Mondialisme.org
Annexe: João Bernardo et la critique des féministes universitaires actuelles
Dans «Considerações inoportunas e politicamente incorretas acerca de uma questão de nossos dias», «Considérations inopportunes et politiquement incorrections sur une question actuelle», (2006) cité dans le texte précédent, João Bernardo oppose les premières féministes égalitaires (dont il semble les combats) aux féministes universitaires actuelles qu’il dénonce.
En réalité, dans cet article non traduit, il se livre surtout à des considérations sur la novlangue universitaire ou politique età une étude des pseudo théories nazies surles Juifs et les communistes. Et ses conclusions sont absurdes: sous prétexte que les nazis n’auraient jamais réussi à définir des «races» précises – et pour cause, elles n’existent pas! –, il en déduit qu’ils confondaient les Juifs et les communistes dans la même haine exterminatrice. Avec une telle hypothèse de départ, on ne comprend pas
– pourquoi les nazis créèrent des camps de concentration pour les prisonniers politiques – notamment communistes – et des camps d’extermination pour les Juifs;
– pourquoi tant de militants communistes purent survivre dans l’Allemagne nazieet dans toute l’Europe occupée – à condition d’abandonner toute activité politique;
– et on n’explique pas les taux de mortalité tout à fait différents selon les camps. Dans les premiers, les communistes mouraient de maladie, de mauvais traitements, de sous-alimentation, de travail forcé et aussi évidemment parce qu’ils étaient fusillés. Et ils étaient parfois relâchés de ces camps au bout de plusieurs années. Dans les seconds, l’extermination des Juifs était systématique et s’étendait à la famille la plus élargie possible, sans compter tout l’éventail des tortures et expérimentations «scientifiques» des nazis sur les Juifs.
Quant aux massacres commis contre les habitants non juifs, communistes ou pas, durant la guerre contre l’Union soviétique qu’évoque João Bernardo, ils étaient autant liés aux pseudo théories sur la prétendue infériorité des races slaves qu’à l’anticommunisme hitlérien. Mais cette discussion introduire par João Bernardo n’a pas de lien autre que fâcheusement polémique avec la critique des féminismes identitaires actuels.
A part une citation, effectivement ridicule, de Luce Irigaray, «Considerações inoportunas e politicamente incorretas acerca de uma questão de nossos dias» ne décortique pas en détail les théories féministes actuelles – ce qui nous laisse sur notre faim.
Néanmoins, j’ai traduit un passage de cet article pour essayer que les lecteurs (et lectrices!) saisis sentmieux la démarche de JoãoBernardo:
«Le type de féminisme qui est aujourd’hui hégémonique dans les universités et les médias appartient, par ses tours de passe-passe terminologiques, à la grande famille accueillante du “politiquement correct”. Puisque les femmes n’ont pas conquis l’égalité réelle avec les hommes, on fabrique alors une égalité entre les articles, les pronoms, les terminaisons, et on crée un langage obscur où abondent les traits d’union, les barres obliques, les parenthèses et les duplications [de lettres ou de syllabes] (…). Ces exercices de “genre” adoptent la division traditionnelle, et bien connue, entre la sphère féminine et la sphère masculine. Il suffit d’attribuer une connotation positive à la sphère auparavant dévalorisée, et en même temps une connotation négative à la sphère qui était autrefois l’objet de l’élogedes uns et de l’envie des autres. La hiérarchie entre les termes es seulement inversée: la sphère féminine devient une source de vertus, la sphère masculine le modèle de tous lesvices. Et cette inversion renforce la croyance en l’inéluctabilité de l’existence de ces deux termes. La réalité sociale, avec ses dichotomies, reste inchangée. Seul change le vocabulaire qui désigne cette réalité, et il se modifie jusqu’à rendre la réalité opaque pour les observateurs moins attentifs.
Dans cette manipulation, l’opération centrale consiste à gommer la distinction entre la dimension idéologique et la dimension biologique. La division entre la sphère sociale masculine et la sphère sociale féminine résulte d’une création culturelle multi séculaire, qui ainculqué aux femmes des comportements, des mœurs et des opinions différents de ceux inculqués aux hommes. Au lieu d’essayer d’éliminer la séparation des sexes, le féminisme universitaire actuel cherche à l’enraciner; c’est justement pourquoi il fonde son interprétation du monde sur une division strictement biologique; à partir de là, il construit un édifice complexe de distinctions culturelles. Avec la même désinvolture, il se livre à l’opération inverse lorsqu’il attribue à un type donné d’idées, d’attitudes et de comportements une connotation biologique, masculine ou féminine, selon ses préférences. Selon unphilosophe qui est, ou a été, marxiste, c’est ainsi qu’est apparu “un typede contre-sexisme dans lequel – et ce n’est pas un hasard – les différences sexuelles sont très souvent exprimées dans des termes qui présentent les genres comme des quasi-races”[9]. Dans un tel féminisme, on peut passer indifféremment de la biologie à la culture, ou de la culture à la biologie. Cette circularité, dépourvue de tout critère, se retrouve aussibien dans les théories du “genre” que dans le national-socialisme et les théories de ses prédécesseurs directs qui attribuaient une psychologie spécifique à des peuples considérés d’un point de vue biologique.»
Notes
[1] «O tempo: substancia do capitalismo», in Cadernos de Ciêncas sociais, n° 1, 2005 sur le site www.afoiceeomartelo.com.br/
[2] Pour João Bernardo, les gestionnaires constituent avec la bourgeoisie l’une des deux classes dominantes. Cf. http://npnf.eu/spip.php?article633 (NdT).
[3] https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/285
[4] Cf. JoãoBernardo: «Classe ouvrière… ou travailleurs fragmentés?» http://www.mondialisme.org/spip.php?article1128 (NdT).
[5] João Bernardo utilise cette expression ici traduite littéralement. Elle est similaire à la notion anglaise de l’identity politics, soit en français la (ou les) politique(s) de l’identité, ou encore les politiques identitaires. Cf. La Gauche identitaire contre la classe, recueil de textes de João Bernardo, Loren Goldner et Adolph Reed Jr., Editions NPNF, 2017 (NdT.)
[6] http://www.mondialisme.org/spip.php?article2548. João Bernardo, «Manifeste sur la gauche et les gauches. Pour quelle raison la gauche actuelle continue-t-elle à utiliser ce nom?» (2014)
[7] «Consideraçoes inoportunas e politicamente incorretas acerca de uma questão de nossos dias», Novos Rumos, n° 45, 2006, http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/novosrumos/article/view/2122/1750. Cf. l’annexe placée à la fin de cette traduction.
[8] Slogan de certains mouvements afrobrésiliens (NdT).
[9] Etienne Balibar, Masses, Classes, Ideas: Studies on Politics and Philosophy Before and After Marx, Routledge, 1994, p. 192
O artigo foi ilustrado com máscaras da coleção do Museu Nacional de Etnologia (Portugal).
FONTEPassa Palavra
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Ninguém solta a mão de ninguém, pra não largar o osso (1)
2019-07-26T21:26:53Z via Dianara To: Public CC: Followers
Esconder a revolta que havia contra o PT serve para tratar os revoltados de então como uma massa de “manipulados” que foi o instrumento passivo dos “planos maquiavélicos” das forças maléficas que tiraram o PT do governo e causaram todos os retrocessos a seguir.
https://passapalavra.info/2019/06/127083/
Por Granamir
28/06/2019
1949
Leia a segunda parte deste artigo aqui e a terceira parte aqui.
1. Introdução
Todos têm acordo em dizer que as Jornadas de Junho de 2013 são o ponto de virada da situação política nacional. Depois daquele momento, forças políticas reacionárias aos poucos se apropriaram da ampla insatisfação, acumulada ao ponto de se tornar insuportável ao longo dos governos do PT, para construir o movimento que levaria à remoção de Dilma do governo em 2016, à prisão de Lula e finalmente à eleição de Bolsonaro em 2018 (certamente não de maneira linear e direta, mas não poderemos explorar aqui as diversas oscilações deste processo). No bojo desse movimento vieram pesados ataques contra os trabalhadores, como a PEC do teto de gastos, a reforma trabalhista, a lei da terceirização, a reforma do ensino médio, o assassinato de Marielle Franco, etc., ainda no governo tampão de Temer; e outros já no governo Bolsonaro, como o desmonte alucinado de várias políticas públicas e a mãe de todas as (contra)reformas, a da Previdência, que está em preparação para ir a votação no momento em que escrevemos.
O desacordo em relação ao entendimento do período pós-2013 começa quando se tenta explorar as razões profundas que explicam o porquê de as maiores manifestações populares da história do país terem terminado, mediante idas e vindas, contradições e oscilações, ao fim e ao cabo, com a imposição de uma agenda de retrocesso em diversos aspectos da vida social; ou ainda, quando se cogitam as alternativas que estavam à disposição e que poderiam ter resultado em outro desfecho. Existe desacordo porque uma parte dos interessados no debate sequer distingue a existência de no mínimo duas fases muito bem definidas nas Jornadas de Junho: uma primeira em que a juventude trabalhadora das grandes cidades se colocou em luta contra o aumento das passagens e arrastou consigo grandes segmentos da classe trabalhadora; e uma segunda em que setores das camadas médias da população começaram a ir às ruas com uma pauta difusa, que pouco depois foi instrumentalizada por setores da mídia como uma luta contra a “corrupção”, dirigida especificamente ao PT.
Ocultar a diferença entre essas duas fases serve a dois objetivos opostos: o primeiro deles é o dos setores que se beneficiaram politicamente da derrubada do PT, que usam as manifestações para legitimar esta sua operação de derrubada, como evidência de um suposto grande apoio “popular” ao seu projeto de poder, e neste “popular” se dissolvem intencionalmente as especificidades de composição social, relações materiais, demandas e reivindicações, ideologia e forma de organização dos públicos que serviram como núcleo das mobilizações de rua naquelas duas diferentes fases. O segundo objetivo é o dos defensores do PT, que também tratam todo o processo das manifestações como um só bloco homogêneo, mas com o objetivo de esconder o fato de que a revolta vinha inicialmente dos trabalhadores e estava dirigida contra o governo do PT, partido que já estava então em seu terceiro mandato presidencial e servia como fiel administrador dos interesses do conjunto do capital que opera no Brasil, um instrumento garantidor da exploração e da opressão.
Esconder a revolta que havia contra o PT serve para tratar os revoltados de então como uma massa de “manipulados” que foi o instrumento passivo dos “planos maquiavélicos” das forças maléficas que tiraram o PT do governo e causaram todos os retrocessos a seguir. Com esta narrativa, o PT se coloca como vítima de um “golpe” (nas considerações finais do texto explicaremos o por quê do uso da palavra “golpe” entre aspas, e não daremos nenhum spoiler aqui, de modo que o leitor terá que fazer o percurso inteiro se quiser satisfazer esta curiosidade) e como alternativa política e eleitoral diante dos retrocessos.
Negar as diferenças entre as duas fases das Jornadas de Junho viabiliza assim as explicações do campo petista, que vão do extremo delirante de afirmar que desde o começo as próprias manifestações contra o aumento das passagens e o MPL já eram os agentes de uma “guerra híbrida” do imperialismo para remover o PT, guerra que passou por um “golpe” contra Dilma e a prisão ilegal e casuística de Lula, para impedi-lo de concorrer às eleições, para assim eleger o “coiso” e fazer o país retroceder em uma série de supostas “conquistas” e “avanços”; até o pólo mais moderado e “autocrítico”, que admite que foram cometidos “erros”[1] nos governos do PT, mas que diante da ameaça “fascista”[2] ou de um eventual fechamento do regime, considera que neste momento é prioritário construir a unidade para lutar em defesa das instituições, do Estado democrático de direito, contra a prisão de Lula e também para, quem sabe, se tudo der certo, reverter toda esta tragédia nas próximas eleições.
Nos filiamos a outro campo, não muito definido e bastante multifacetado, e certamente ultraminoritário, que considera o petismo não como oposição nem muito menos como vítima da atual ofensiva reacionária[3], mas como corresponsável por ela. Seja por ação ou por omissão, o PT, como governo ou como direção dos principais organismos de massa do país, construiu as condições para o avanço das forças reacionárias que hoje controlam o Estado e pautam as ações e o debate na sociedade. Sendo assim, se a análise da realidade é diferente, a política a ser tirada não pode ser a mesma, e a linha de atuação não pode ser idêntica à do campo petista, tendo que ir em busca de alternativas que não passem por coisas como “não vai ter golpe”, “fora Temer” ou “Lula livre”. Se se considera o PT como corresponsável pela emergência desta ofensiva reacionária, o próprio PT não pode ser alternativa para escapar a ela, e algo diferente precisa ser construído.
Entretanto, não vamos aqui tratar especificamente dessa alternativa, e iremos apenas mencionar algumas das condições pelas quais o PT contribuiu para este cenário, sem um detalhamento exaustivo, porque o foco do texto não é também o próprio PT, mas na verdade a tentativa de elucidar uma outra lacuna pouco explorada no campo da explicação do pós-2013 a que nos filiamos. A questão que nos move é: por que aquela ampla insatisfação que mencionamos não foi organizada pelas forças anticapitalistas? Por que os partidos e organizações da classe trabalhadora, que inclusive faziam oposição política ao PT, não foram os beneficiários do desgaste do petismo? Por que a insatisfação popular foi tão facilmente capturada pelos setores reacionários, e as diversas organizações dos trabalhadores não tiveram nenhum ganho minimamente significativo, em termos de militância ou de influência?
De saída, descartamos a hipótese de que o próprio PT pudesse incorporar as reivindicações de 2013 e mitigar as causas profundas daquela insatisfação, porque o partido era, ao contrário, um instrumento da gestão capitalista do país. Como governo comprometido com os interesses do capital, e como direção dos movimentos sociais totalmente adaptados à colaboração de classe, o partido jamais poderia atender aos anseios populares cujas frustrações explodiram em Junho. Descartada de saída a hipótese da assimilação pelo PT ou de “correção dos rumos” do seu projeto, o que resta explicar é porque as organizações da chamada “oposição de esquerda”[4] ao PT não conseguiram também conduzir a insatisfação manifestada em Junho para um movimento de caráter anticapitalista ou sequer progressista. Essa é uma lacuna na explicação dos processos pós-Junho que a nosso ver ainda não teve uma resposta satisfatória, e para a qual procuraremos oferecer uma hipótese.
Para chegar a essa hipótese, um certo percurso preparatório se faz necessário, e para ele pediremos a paciência do leitor. Começaremos (na parte 2) com algumas características do sindicalismo brasileiro, que são essenciais para a discussão que queremos fazer sobre os projetos de organização da classe que vêm sendo postos em prática no país já há quase um século. Depois disso, uma passagem incontornável do debate é a discussão sobre a forma como o PT atuou, tanto como principal direção das organizações de massas (parte 3) como enquanto governo (parte 4), o que procuraremos fazer da maneira mais econômica possível. Finalmente, chegaremos ao X da questão, o porquê de a chamada “oposição de esquerda” ter sido praticamente inócua e irrelevante como alternativa em face da oportunidade histórica aberta por Junho (partes 5 e 6). Para completar, antes da conclusão, teremos que dizer também algumas palavras sobre o que se passou em outras formas e espaços de atuação por fora do movimento sindical (parte 7).
2. Características do sindicalismo no Brasil
Já no século XIX Marx apontava uma ambiguidade fundamental nos sindicatos: se de um lado eram organizações criadas pelos próprios trabalhadores para defender seus salários e condições de vida (o que significa na prática limitar-se a negociar um preço melhor para a venda da mercadoria força de trabalho), de outro lado, ao fazer isso, legitimavam precisamente o trabalho assalariado como horizonte das relações de produção e de vida. Por isso, para Marx, a luta imediata dos comunistas deveria ser sim por bandeiras como a redução da jornada de trabalho, podendo sim se utilizar dos sindicatos, mas sem nunca perder de vista a meta da abolição do trabalho assalariado[5], recomendação crucial (entre muitas outras) que foi depois desconsiderada por incontáveis gerações de militantes marxistas, convertidos em especialistas em negociação salarial.
Se há uma ambiguidade fundamental na forma sindicato, isso significa que ela pode ser empregada em duas direções possíveis, uma emancipatória e outra conciliatória, e a definição entre uma alternativa e outra seria dada pelo desenlace da disputa política em torno da orientação a ser seguida no movimento sindical, e também fora dele, em cada sociedade capitalista. No caso do Brasil, o sindicalismo classista e independente em que atuavam os anarquistas e revolucionários do começo do século XX foi esmagado pela repressão de Vargas (presidente entre 1930 e 1945 e depois de 1950 a 1954[6]) e substituído por um sindicalismo paraestatal de colaboração de classe (o que só foi possível, diga-se de passagem, porque havia setores dispostos a colaborar, diferentemente dos anarquistas). O sindicalismo paraestatal brasileiro construído na Era Vargas se estrutura em cima de alguns pilares fundamentais, dos quais selecionamos sete eixos principais para discussão:
1º) Exigência de reconhecimento estatal: só são aceitos nas negociações com a patronal os sindicatos que o Estado reconhece legalmente como representação dos trabalhadores, por meio do devido registro no Ministério do Trabalho e conforme as devidas exigências formais em relação a estatuto, documentos, etc. Com isso procura-se ocupar burocraticamente todo o terreno onde poderiam despontar formas de luta e organização, para evitar que os próprios trabalhadores criem formas independentes reconhecidas e controladas por eles mesmos como suas;
2º) Mediação da Justiça do Trabalho: o Estado interfere nas relações trabalhistas por meio de um ramo especializado do Judiciário que se coloca como árbitro supostamente neutro entre patrões e assalariados. A existência dessa estrutura ajuda a entranhar a ideologia jurídica entre os trabalhadores, colocando a esperança de que os conflitos possam ser resolvidos sem luta. Há também uma legislação de greve que coloca a exigência de notificação da patronal com antecedência para que a paralisação seja considerada válida, estabelece uma lista de setores essenciais nos quais não pode haver paralisação, prevê penas de multas e outras aos sindicatos e seus dirigentes em caso de descumprimento, etc., entre outros parâmetros que tornam inviáveis ações radicais, que são muitas vezes justamente as únicas que poderiam derrotar determinado setor da patronal. A judicialização das lutas tem como consequência a criminalização de todas as formas de ação que não se conformem ao limite da aceitação do trabalho assalariado, tais como greves políticas, greves de solidariedade, greves de ocupação, greves de surpresa, ações diretas, ou outras consideradas ilegais ou abusivas;
3º) Unicidade sindical: o Estado só reconhece um único sindicato de uma mesma categoria em uma base municipal. Isso faz com que os trabalhadores que tenham uma representação sindical não combativa e por acaso queiram se mobilizar estejam impedidos de criar formas próprias e independentes de luta, e os obriga a atuar por dentro dos sindicatos existentes e a tentar disputar a sua direção. Com isso perde-se tempo e esforço em disputas infrutíferas por dentro desses sindicatos, por vezes por muitos e muitos anos, pois muitas vezes tal disputa é completamente inviável, devido ao grau de degeneração burocrática, aparelhista ou mesmo de gangsterismo sindical que caracteriza a maioria dessas entidades;
4º) Imposto sindical: durante décadas (até 2017) o Estado cobrava compulsoriamente de todos os trabalhadores do país via desconto em folha, fossem sindicalizados ou não, um valor equivalente a um dia de salário por ano, para financiar os sindicatos, federações, confederações e, a partir de 2008, também as centrais sindicais[7]. Em 2017, último ano em que o imposto sindical foi obrigatório, o total arrecadado por entidades de trabalhadores foi de R$ 2,24 bilhões[8]. O imposto sindical viabilizava assim a existência de uma vasta camada de dirigentes sindicais acomodados em “sindicatos de cartório”[9], que só existiam para assinar acordos com a patronal, sem nenhuma atividade real de organização dos trabalhadores. Estabeleceu-se por esta via a figura do “sindicalista”, o dirigente sindical “profissional”, que pode ser combativo ou não, mas tem a sua sobrevivência material garantida independente de qual for o seu compromisso com a luta;
5º) Representação dos não sindicalizados: ao contrário de outros países, no Brasil os acordos assinados pelos sindicatos são válidos para todos os trabalhadores daquela categoria, independentemente de estarem ou não associados ao sindicato. Se por um lado isso serve como uma espécie de garantia de patamares mínimos ou de uma certa segurança em relação aos níveis de salários, direitos e condições de trabalho, por outro lado cria uma situação de acomodação e indiferença do trabalhador em relação ao sindicato que o representa. Além do elemento material citado acima de que o sindicato sobreviveria sem a contribuição dos sócios (graças ao imposto sindical, que era cobrado de todos, inclusive não associados), existe o elemento político de que o trabalhador não se envolve com a vida do sindicato, deixando-o entregue às mãos dos sindicalistas profissionais. Isso se reflete também em níveis relativamente baixos de sindicalização da força de trabalho[10];
6º) Economicismo e corporativismo: os sindicatos estão limitados a uma rotina de negociações salariais e pautados pelo calendário das datas base dos acordos coletivos. Adaptados a esse limite, os sindicatos não se envolvem em outros tipos de atividade ao longo do ano: não fazem esforços de organização de categorias precarizadas, terceirizadas, temporárias, não desenvolvem atividades culturais, formação teórica, lutas de segmentos oprimidos, etc. Especializam-se num determinado ramo de atividade econômica e não participam de lutas que acontecem fora dele, dificultando a formação de laços entre diferentes categorias de trabalhadores e a compreensão da necessidade da unidade de todos como classe;
7º) As garantias de estabilidade, inamovibilidade e liberação dos dirigentes sindicais: a princípio uma conquista dos trabalhadores para permitir que diversas atividades possam ser desenvolvidas pelos militantes nas direções sindicais sem a ameaça de demissão ou perseguição, mas que depois se torna a via para formar uma camada social de sindicalistas, acostumados a ficar muitos anos ou mesmo décadas afastados dos locais de trabalho, sem sofrer a pressão cotidiana da alienação do trabalho e impedindo o controle dos próprios trabalhadores sobre as suas entidades e suas lutas. Considerando que a legislação concede estabilidade durante o mandato e mais um ano para até 7 dirigentes e 7 suplentes por sindicato[11], e considerando o número de mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores existente no país (ver nota [9]), chegamos a um número possível de mais de 100 mil sindicalistas.
Isso sem falar na categoria dos funcionários de sindicatos, os quais, dados os hábitos aparelhistas dos grupos políticos que atuam no sindicalismo brasileiro, conforme discutiremos mais abaixo, muitas vezes são na verdade militantes desses mesmos grupos políticos. Esses funcionários, em muitos casos, nem sequer têm relação com a categoria, e são contratados como advogados, jornalistas, “assessores” ou mesmo funcionários administrativos, e frequentemente não desempenham nenhuma tarefa real a serviço da entidade que os contrata, e sim dos seus partidos. Nem todos os funcionários de sindicatos são necessariamente contratados com base em relações de aparelhamento, mas devido ao grau de distanciamento entre as categorias e suas entidades, as diretorias costumam desfrutar de bastante autonomia em relação aos gastos e contratações[12], sem estarem habituados a serem questionados, o que certamente dá margens para abusos.
***
Para completar, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT foi promulgada por Vargas em 1943 como se fosse uma dádiva do então ditador, apagando a história de décadas de luta dos trabalhadores por regulamentação da jornada, férias, previdência, etc. Partidos políticos aliados a Vargas (ou mesmo depois partidos desconectados do seu legado) perpetuaram o mito de que o Estado é o provedor das melhorias sociais, que se materializam necessariamente na forma de direitos, ajudando a fixar uma narrativa de que não é preciso construir uma mobilização permanente para conquistá-las, ampliá-las ou mantê-las. Essa narrativa é conveniente para os grupos políticos que ocupam as direções dos sindicatos, porque ajuda a legitimar o seu próprio papel como intermediários indispensáveis da relação dos trabalhadores com a patronal e o Estado. Os sindicalistas cuidam de tudo em lugar dos trabalhadores e obtém concessões do Estado, de preferência judicialmente e sem mobilização.
Essa estrutura sindical paraestatal era bastante permeável a outro vício das organizações políticas da classe, o aparelhamento, que é o uso do sindicato como “correia de transmissão” da linha ideológica e tática de um determinado grupo político ou partido, prática característica da tradição marxista-leninista e/ou trotskista. O grupo que vence uma eleição sindical passa a agir como dono da entidade, como se ela não fosse dos trabalhadores e eles não tivessem que se envolver, participar e deliberar sobre a linha de atuação. A diretoria passa a falar em nome dos trabalhadores como se todos concordassem com seu programa, desconsiderando a necessidade de fazer os trabalhadores compreenderem tal linha política, fazendo campanha eleitoral para o seu candidato com os recursos humanos e materiais da entidade, etc.
O aparelhamento se estende do sindicato para os organismos de base, como os corpos de delegados sindicais, diretores de base, comissão de fábrica, comissão de empresa, CIPAs[13], etc. A diretoria do sindicato coloca militantes do seu partido para concorrer a esses cargos e ocupar todo e qualquer espaço de organização disponível. Ou coopta trabalhadores dispostos a lutar para fazer parte do grupo da diretoria e se tornar mais um agente da sua política, seja via convencimento ou chantagem (velada ou aberta) com a ameaça de delação à patronal. De uma maneira ou de outra, os espaços de organização independentes têm que ser domesticados ou asfixiados pela burocracia sindical.
Do ponto de vista dos militantes sindicais coniventes com essa prática, o fato de ter ganho uma eleição sindical automaticamente lhes dá direito a aparelhar a entidade e os dispensa de consultar os trabalhadores sobre o que o sindicato faz no seu dia a dia. Isso despolitiza a categoria que o sindicato deveria organizar e reproduz no interior da classe a forma da política representativa que vige no Estado burguês, em que um eleitorado passivo delega a um político profissional a deliberação sobre todas as questões fundamentais, e tudo o que esse eleitorado pode fazer em caso de discordância com a diretoria é se conformar com a chance de tentar “votar certo” na eleição seguinte. O trabalhador enxerga a luta como algo que o “sindicato” (ou seja, a diretoria do sindicato) faz em seu lugar e que não depende da sua participação direta, como se fosse uma espécie de prestação de serviço. O sindicato se converte numa estrutura à parte e estranha, separada do dia a dia do trabalhador, um órgão “terceirizado”, que intermedeia negociações com a patronal ou ainda se dedica a atividades assistenciais, como convênios médicos, colônias de férias, cursos profissionais, etc.
3. O PT nos sindicatos
Em países nos quais existe uma menor tutela do Estado e maior liberdade de organização, os sindicatos se converteram mesmo assim, ao longo de mais de um século de história, em instrumentos de legitimação do trabalho assalariado como limite intransponível. Funcionam como formas de impedir as lutas autônomas dos trabalhadores, conduzindo todas as tentativas de mobilização e disposição de enfrentamento para a camisa de força das negociações salarias devidamente disciplinadas e regulamentadas (quer exista ou não um aparato jurídico como o da legislação sindical brasileira descrita em linhas gerais na parte anterior). Os dirigentes sindicais se constituem assim numa camada social em separado, a qual denominamos aqui de burocracia, cuja existência depende da continuidade da exploração capitalista e do trabalho assalariado, os quais fundamentam a sua posição como intermediários entre patrões e trabalhadores.
Como dependem da conciliação de classes para sobreviver, os burocratas sindicais desenvolvem interesses materiais próprios e opostos aos dos trabalhadores. De modo geral atuam como uma espécie de polícia a serviço da patronal entre os trabalhadores, sabotando as suas possibilidades de organização independente, delatando militantes que não se enquadram para serem demitidos pela patronal, perseguidos pelo Estado, etc. Em alguns casos, dependendo de cada país, desempenham funções sofisticadas, ajudando a gerenciar fundos de pensão, convênios médicos, atividades assistenciais, recreativas, etc., criando vínculos de dependência pessoal que também desencorajam a mobilização independente.
Sendo esse o papel dos sindicatos na maioria dos países, a única intervenção possível nas lutas de categorias organizadas tem que ser a que visa construir organizações completamente independentes, clandestinas se for o caso, mantendo-se assim enquanto for preciso, capazes de desenvolver paulatinamente e sustentar a luta sem depender do aparato sindical, jamais tendo como objetivo meramente construir chapas para disputar a direção das entidades sindicais, recusando as armadilhas que levam à institucionalização e à absorção pela patronal e pelo Estado, ultrapassando os limites corporativos e economicistas em direção à unificação da classe e se colocando objetivos estratégicos de muito longo alcance.
No caso do Brasil, o que tivemos foi o oposto disso, pois predominou a adaptação das organizações militantes à estrutura sindical paraestatal dada, sob o pretexto de diversos tipos de estratégias reformistas, de acumulação de forças, etc., sempre tendo a conquista do aparato sindical como pré-requisito para desenvolver um suposto trabalho de organização, e não o contrário. Primeiro monta-se a chapa, disputa-se e ganha-se a direção do sindicato, e depois começa-se a organizar a categoria para a luta; esse é o roteiro que é posto pelas organizações políticas na cabeça de todo militante que entra numa categoria organizada no Brasil.
Enquanto esse trabalho de organização não pode se desenvolver ou não dá os frutos esperados, é preciso permanecer a qualquer custo na direção das entidades, perpetuando-se os mesmos dirigentes e seu grupo político no controle, mandato após mandato. Até que, num belo dia, passado algum tempo, aqueles militantes combativos do passado já se tornaram sindicalistas profissionais, negociadores habilidosos, acomodados e bem adaptados, que não sabem mais qual era o objetivo daquele trabalho de organização proposto num passado longínquo, e tratam de impedir que haja qualquer outra tendência política influenciando a categoria. Se converteram em burocratas.
Todos esses vícios da estrutura sindical brasileira foram tolerados pelas organizações políticas que neles atuaram e foram reproduzidos mesmo nos momentos de maior ascenso das lutas e intensa participação dos trabalhadores (com raríssimas exceções, como o MOMSP – Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo, das décadas de 1970 e 1980[14]). Desde a Era Vargas até 1964, o antigo PCB, apelidado “partidão”, era a principal força política dirigindo os sindicatos no Brasil. Num primeiro momento os militantes do partidão eram perseguidos pelo varguismo, mas logo depois passaram a atuar em aliança com ele, conforme a linha stalinista. O golpe militar de 1964 pôs fim à influência de ambos e a ditadura que se estabeleceu colocou nos sindicatos uma leva de dirigentes impostos diretamente pelo Estado, os chamados “pelegos”. No fim dos anos 1970, com a retomada das greves e outras lutas, novos dirigentes combativos começam a vencer as eleições sindicais e varrer os pelegos das direções, no contexto de um conjunto de lutas sociais mais amplas, que ajudaria a pôr fim à ditadura.
Esses novos dirigentes sindicais se alinham politicamente com o movimento que daria origem ao PT em 1980 (onde se combinam militantes de movimentos sociais animados pela teologia da libertação, intelectuais e acadêmicos, remanescentes da luta armada e grupos trotskistas), e em 1983 reúnem militantes de várias categorias para fundar a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Os sindicatos cujas eleições eram vencidas por novas direções combativas vão sendo filiados à CUT ou a federações estaduais e regionais e confederações nacionais ligadas a ela. Desde aquele primeiro momento o grupo dos sindicalistas se torna a fração dirigente do PT, com o nome de Articulação[15], e os seus integrantes detém o controle da maioria dos sindicatos retomados para a luta e também da CUT.
Depois de um início promissor em relação à luta contra a estrutura sindical, a tendência que prevaleceu na CUT depois de poucos anos foi de se utilizar da estrutura sindical paraestatal existente tal como estava, deixando de lutar para remover os entraves legalistas que impediam uma organização independente dos trabalhadores. Da mesma forma, o projeto delineado para o PT era de um partido que disputasse eleições para os cargos executivos e legislativos, propondo-se a gerir o Estado, ao invés de procurar construir um movimento anticapitalista. Essas tendências prevaleceram no PT e na CUT, a despeito da presença de correntes socialistas atuando como tendências internas e outras por fora da sua estrutura. O PT assim tomou posse dessa estrutura sindical paraestatal herdada do antigo varguismo e a aparelhou violentamente. A Articulação assume o controle da CUT e a transforma em braço do partido e instrumento para transmitir a sua política ao movimento.
Da década de 1990 em diante a direção petista da CUT trocou a combatividade pelo chamado “sindicalismo cidadão”, que prioriza a negociação, a conciliação, a busca de acordos, a participação em instâncias tripartites com a patronal e o Estado, câmaras setoriais, estruturas gerenciais do FAT[16], etc. Além disso, assim como os chamados pelegos que dirigiam os sindicatos na época da ditadura e seus herdeiros (que em 1991 se uniram para fundar uma central concorrente, a Força Sindical, chamada às vezes apenas de Força, e também apelidada de “Farsa sindical”), a CUT passou também a atrelar os interesses dos trabalhadores aos das empresas, condicionando os salários, direitos e condições de trabalho ao lucro dos capitalistas. A partir dos anos 1990, passou a ser comum aceitar acordos lesivos que cedem conquistas em termos de salários, jornada, benefícios, condições de trabalho, etc., em troca da promessa de manutenção dos empregos (promessa reiteradamente descumprida pela patronal). Outra marca registrada desse momento foi deslocar as expectativas do atendimento das reivindicações dos trabalhadores para o momento em que Lula fosse eleito para a presidência.
Neste meio tempo, enquanto não se alcançava o objetivo do “Lula lá”, os sindicatos se agigantaram como máquinas impressionantes, com considerável poder político e financeiro. Entidades como o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (berço de Lula) ou a APEOESP (que representa os professores da rede pública do Estado de São Paulo, com mais de 180 mil filiados, em uma categoria com mais de 380 mil trabalhadores[17]) catapultam os seus dirigentes para a direção das respectivas confederações e da CUT, e para a condição de figuras políticas de peso nacional, abrindo caminho para as candidaturas aos cargos no Estado. Outros, como o dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SEEB-SP), com mais de 140 mil trabalhadores na base[18], se convertem em conglomerado empresarial, com gráfica, financeira, cooperativa habitacional, faculdade, participação em ONGs, órgãos de mídia (TVT, Rede Brasil atual), etc. E ainda, porta de entrada para a participação de sindicalistas na gestão dos fundos de pensão dos funcionários das estatais (PREVI, FUNCEF, PETROS, etc.), que por sua vez garante assentos nos conselhos de administração de centenas de empresas das quais os fundos possuem ações. Assim, os sindicalistas se transformam diretamente em empresários.
Em relação à perda de combatividade da CUT e dos sindicatos, não abordaremos aqui como isso se relaciona com o fato de que, no mesmo momento em que se adotava o sindicalismo cidadão, do lado da patronal foi também desfechada uma violenta ofensiva contra as organizações e direitos dos trabalhadores na forma da chamada “reestruturação produtiva”, toyotismo, reengenharia, qualidade total, etc.; do lado do Estado foram lançadas várias políticas chamadas neoliberais, como privatizações, desregulamentações, abertura comercial, medidas de austeridade, etc.; e no campo da disputa ideológica, por meio de intelectuais, universidades, imprensa, igrejas, etc., uma ofensiva em termos de “fim da história”, “fim do sujeito”, “fim do trabalho”, “fim do proletariado”, “fim do socialismo”, “fim do marxismo”, etc. Não nos deteremos no debate sobre essas formas de ofensiva patronal e estatal, apenas assinalamos a coincidência de que, no momento em que o capital e o Estado se tornavam mais agressivos, o sindicalismo se tornava mais defensivo e conciliatório.
Notas
[1] É curioso que quem fala em “erros” do PT sempre os trata como se fossem meros detalhes, que não comprometem o conjunto do projeto, e está sempre disposto a dar um novo voto de confiança, não só eleitoral, mas político, para que o PT continue como referência. Permitem que Lula e o PT saiam incólumes, com um simples puxão de orelha “crítico”, e começam tudo de novo. “É a maior organização de massas do país”, ou “Lula ainda é o maior líder popular da história”, ou ainda, “é preciso dialogar com os trabalhadores”, costumam dizer. E não percebem que, enquanto continuarem dizendo isso, vão continuar reforçando a propaganda que emana do próprio PT, e reforçando esse papel de referência. É certo que não depende apenas da escolha e da vontade de militantes que quiserem fazê-lo a construção de outra referência, mas se estes nem sequer derem o passo de se decidir de uma vez a querer fazê-lo, aí sim, essa construção nunca vai acontecer. Sobre o que consideramos aqui como “erros”, ver a parte 4 deste texto, onde detalhamos alguns motivos pelos quais consideramos que o conjunto do projeto petista precisa ser superado.
[2] Nossa posição é de que o fascismo clássico é um fenômeno restrito aos países imperialistas de constituição tardia, como Alemanha e Itália, que chegaram tarde demais na concorrência com as potências tradicionais, num contexto de guerras mundias, revolução socialista, intensa mobilização operária, organizações socialistas de massas e insatisfação social generalizada com o capitalismo liberal. O fascismo explora a revolta das camadas médias e de parte dos trabalhadores para subverter as instituições da democracia burguesa, estabelecer regimes ultra-autoritários, esmagar o movimento operário e a militância socialista e resolver as contradições interimperialistas por meio da mobilização nacionalista para a guerra.
No Brasil atual quase todos esses elementos estão ausentes, com exceção de uma certa revolta das camadas médias com a deterioração da sua condição material na sequência de uma forte crise econômica. E também elementos da psicologia de massas do fascismo, tais como seu conservadorismo moral, sua obsessão com a sexualidade (os conservadores não gozam, por isso querem impedir o gozo alheio) e os costumes em geral, seu desejo de ordem e uniformidade, transformado em ódio contra as minorias e a diversidade, e a nostalgia por algum passado mitológico supostamente idílico (a ditadura, o Império ou até as Cruzadas, dependendo do grau de delírio), tudo isso convergindo para uma identificação narcísica com um líder, um ser ao mesmo tempo medíocre e messiânico, um “pequeno grande homem”, como dizia Adorno (em “A teoria freudiana e o modelo fascista de propaganda”, de 1951).
Entretanto, esses elementos em si são insuficientes para caracterizar o atual movimento como fascista, estando ausentes especialmente aquela forte mobilização operária em um movimento socialista organizado e a pretensão de resolver militarmente as pendências com o imperialismo e países concorrentes. Sem esses elementos materiais e políticos, para além daqueles de ordem psicossocial, seria muito impreciso caracterizar o atual movimento como fascista. Mas dizer que este movimento não é fascista não significa dizer que ele não seja extremamente perigoso e nefasto, pois se trata de um desrecalque e transbordamento de tendências autoritárias atávicas da sociedade brasileira, conforme a nota [3] a seguir.
Essa reatualização desenfreada das formas autoritárias inerentes à sociedade brasileira se alimenta da ausência de formas de organização para luta por onde pudesse se canalizar a revolta contra as mazelas do capitalismo, a qual acaba assim conduzida para uma espiral de violência autofágica, com alguns ecos do fascismo histórico, mas que a nosso ver representa uma forma muito nova e específica do atual tempo histórico. Por último, cabe ressaltar que o recurso abusivo ao termo fascismo funciona como uma espécie de espantalho, que evoca o máximo grau de malignidade concebível, diante do qual, portanto, há que se recolher as bandeiras, abrir mão de princípios e de independência, para fazer todos os tipos de alianças possíveis. Por isso, todo cuidado é pouco com as caracterizações políticas.
[3] Quando falamos de “ofensiva reacionária” neste texto, não estamos dizendo que o Brasil era uma sociedade “democrática” e tolerante que subitamente se tornou autoritária e brutal, muito pelo contrário. O Brasil sempre foi um país fraturado em dois, com uma sociedade oficial, para a qual existe Estado, lei, direitos, imprensa, universidade, empregos, consumo, etc., e uma sociedade não oficial, cujas vidas não contam, e que sempre conviveu com a miséria e a brutalidade do capitalismo periférico. Essa sociedade oficial nunca cobriu mais do que, digamos, 30% da população, aproximadamente, e o que é chamado de “fascismo” (ver nota anterior) é apenas a tênue ameaça de que o modo de vida barbarizado dos demais 70% vai engolfar esses restantes 30%.
Na falta de um nome melhor ou de um conceito mais preciso, chamamos de ofensiva reacionária o movimento de ataque contra o verniz de civilização que tinha sido construído no país desde a redemocratização, com seu arcabouço de instituições e crenças reformistas no Estado democrático de direito, e que agora desmorona com a crise do nosso capitalismo periférico. Essa ofensiva reacionária vem como um desrecalque de tendências políticas, ideológicas e psicossociais latentes na sociedade brasileira, que encontram terreno adequado para proliferação num contexto de avanço da crise, desmonte dos vestígios de bem-estar social precariamente esboçados e agudização da concorrência econômica entre as classes e os indivíduos. Trata-se de uma atualização dos traços autoritários da história do país, em sintonia com o processo mundial de crise do capitalismo e agravamento das tendências destrutivas do sistema.
Quando falamos de tendências autoritárias, lembramos que o Brasil foi construído em cima do genocídio dos índios, da escravização dos negros, do esmagamento em fogo e sangue de todas as tentativas de ruptura dessa ordem construídas pelos trabalhadores, desde Palmares a Canudos, de uma forma de Estado intrinsecamente impermeável à participação popular e cujo usufruto e exclusividade é defendido brutalmente por uma elite predatória. A crença ilusória de que as massas populares poderiam participar em algum nível da gestão do Estado, crença que esteve no centro da estratégia política democrático-popular prevalecente entre as organizações dos trabalhadores nas últimas décadas, é o que está sendo desmentida cabalmente nesse momento de ofensiva reacionária. E a defesa contra essa ofensiva não pode ser a reciclagem de tais crenças ilusórias e sua correspondente estratégia, mas a defesa radical da destruição do Estado e dessa ordem social como um todo.
[4] Colocamos “oposição de esquerda” entre aspas por dois motivos. Primeiro porque, conforme tentaremos demonstrar ao longo da argumentação, não se trata de uma oposição real e sim de coadjuvantes que não trazem um projeto qualitativamente diferente. Segundo porque não existe “esquerda” nem “direita”, existem classes sociais e seus respectivos projetos políticos, de superação do capitalismo ou de defesa dele.
[5] “Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado”.
Esse texto foi redigido por Marx para um informe na Associação Internacional dos Trabalhadores, a I Internacional, em 1865. Esse informe foi depois publicado em 1898 como parte do livro “Salário, Preço e Lucro”. A versão acima foi copiada daqui.
[6] Em 1930 Getúlio Vargas perde a eleição presidencial para Júlio Prestes, mas lidera um movimento armado, depois chamado de Revolução de 1930 (que encerra a República Velha e a política do “café com leite”), pelo qual assume o poder provisoriamente. Em 1934 são organizadas eleições e Vargas é eleito presidente. Em 1938 estavam previstas novas eleições, mas em 1937 Vargas realiza mais um golpe de estado e governa como ditador até 1945, no que foi chamado de Estado Novo. Sendo derrubado em 1945 por um movimento militar, Vargas concorre a eleições novamente em 1950 e vence, mas em 1954 comete suicídio.
[7] Em 2008, no segundo mandato de Lula, foi promulgada a lei 11.648, que reconhecia a figura das centrais sindicais, acima das confederações e federações de sindicatos, podendo representar diversas categorias. O artigo 5º dessa lei alterou os artigos 589, 590, 591 e 593 da CLT, alterando a distribuição das verbas do imposto sindical na seguinte forma: 60% para o sindicato, 15% para a federação, 5% para a confederação, 10% para a central sindical e 10% para uma “Conta Especial Salário e Emprego” administrada pelo Ministério do Trabalho.
[8] Matéria que trata do quanto os sindicatos deixaram de arrecadar depois que a Reforma Trabalhista aboliu o imposto sindical e apresenta o montante arrecadado em 2017, último ano em que ele foi obrigatório.
[9] Segundo estudo do IPEA de 2016, havia 10.817 sindicatos no país, agrupados em 423 federações, confederações e centrais, num total de 11.240 entidades representativas dos trabalhadores.
[10] Ainda segundo o mesmo estudo citado na nota anterior, havia 17,34 milhões de trabalhadores sindicalizados, numa força de trabalho total de 107,17 milhões, o que equivale a 16,2%.
[11] O artigo 543 da CLT, no seu parágrafo 3º, estabelece a estabilidade dos dirigentes sindicais e foi recepcionado na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 8º, inciso VIII. Por sua vez, o artigo 522 da CLT limitou o número de dirigentes estáveis a 7 titulares e 7 suplentes, o que foi depois confirmado pela súmula 369 do TST e julgamentos do STF.
[12] Em 2017 havia 300 mil trabalhadores prestando serviços para os sindicatos, sendo 115 mil como contratados diretos e o restante indiretos, de acordo com dados do DIEESE, citado em matéria que também trata das dificuldades financeiras dos sindicatos.
[13] Comissões Internas de Prevenção de Acidentes de trabalho – CIPAs são órgãos previstos na legislação trabalhista (artigo 163 da CLT e Norma Regulamentadora 05 do Ministério do Trabalho – NR05), com a função de zelar pela saúde e segurança nos locais de trabalho, como seu nome indica. As CIPAs são obrigatórias para estabelecimentos com mais de 20 funcionários, conforme uma tabela contida na NR05, com um número de integrantes indicados pela empresa e outros eleitos pelos trabalhadores. Na imensa maioria das empresas privadas, em que não há nenhum tipo de estabilidade ou garantia contra demissões, as CIPAs são muitas vezes a única forma disponível de praticar algum tipo de militância e desenvolver alguma organização nos locais de trabalho.
[14] Um dos casos exemplares de organização na história do movimento sindical brasileiro foi o Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo – MOMSP, que durante décadas organizou militantes e ativistas na mais importante base operária do país. A categoria dos metalúrgicos chegou a ter 400 mil trabalhadores na base do município de São Paulo. Os dirigentes sindicais ligados ao PCB foram cassados pela ditadura em 1964 e em seu lugar foram instalados os chamados pelegos, dirigentes dedicados à colaboração de classe, dos quais o maior símbolo foi o lendário Joaquinzão, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo.
Contra os pelegos o MOMSP disputou eleições para o sindicato dos metalúrgicos de São Paulo em 1969 e 1972, no auge da ditadura. Em 1978, 1981 e 1984, em pleno processo de luta pela democracia formal e com grande ascenso de lutas operárias e lutas sociais em geral, as chapas do MOMSP venceram a eleição entre os trabalhadores nas fábricas, mas foram impedidas de tomar posse por intervenção direta do Ministério do Trabalho e por fraudes com os votos dos aposentados. O MOMSP disputou ainda eleições em 1987, dividido em duas chapas, e em 1990 e 1993, já no refluxo, já contra a Força Sindical, enfrentando o neoliberalismo e a reestruturação produtiva.
Mesmo nunca tendo chegado à direção do sindicato, o MOMSP funcionou na prática como a verdadeira organização e representação dos trabalhadores. O movimento estava no dia a dia das fábricas, através das CIPAs, lutando por melhores condições de trabalho. Seus militantes organizavam os piquetes e conduziam as greves, independentemente do sindicato pelego. Em 1979 o MOMSP negociou o acordo que encerrou a campanha em lugar da diretoria, tamanha a sua representatividade.
A inspiração do MOMSP estava nos militantes do anarcossindicalismo do início do século XX, com suas práticas de organização independentes do Estado, dos partidos, da Igreja, etc. Sua principal ferramenta de construção era o trabalho de base, em que se sobressai o exemplo pioneiro da comissão de fábrica da Cobrasma de Osasco na década de 1960, modelo de organização no local de trabalho que o movimento tratou de multiplicar.
Além da combatividade, da independência e do trabalho de base, o MOMSP serve ainda como exemplo por duas outras importantes qualidades. Primeiro, a quantidade colossal de publicações, entre panfletos, boletins por região ou por fábrica, “mosquitinhos” de greve, cadernos de formação, cordéis e até livros. O movimento realizava atividades de formação e cursos para trabalhadores e ativistas, com a participação de importantes intelectuais, o que demonstra a preocupação em ir além das lutas por melhorias econômicas.
O segundo aspecto pelo qual se notabilizava o MOMSP era o seu funcionamento interno democrático. O MOMSP não era aparelhado por nenhum partido ou organização. Militantes de qualquer agrupamento apresentavam suas propostas, que tinham que se submeter ao voto da maioria. Nesse ambiente conviviam militantes de praticamente todas as correntes da esquerda brasileira, do PT, do PCB, da pastoral operária, dos grupos que vinham da luta armada, correntes trotskistas, etc., caso raramente visto na história.
A história do MOMSP, seus documentos e publicações estão disponíveis na internet. Para estudo das novas gerações e preservados na memória dos lutadores que construíram esse raro fenômeno de unidade e respeito aos trabalhadores de base (texto do Coletivo Bancários de Base).
[15] O nome dessa tendência foi tirado do seu documento programático fundacional, o “Manifesto da Articulação dos 113”, publicado em 1983 e assinado por um grupo de figuras públicas, entre os quais Lula e os mais importantes sindicalistas, bem como remanescentes da luta armada e representantes da teologia da libertação. O grupo dos 113 passou a ser a tendência dirigente do PT e da CUT e impôs uma linha reformista, social-democrata, de ocupação de espaços no Estado e instrumentalização das lutas e dos movimentos sociais para fins eleitorais, que depois seria sistematizada no programa democrático-popular, de 1987.
[16] O FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, é um fundo ligado ao Ministério do Trabalho, que administra os recursos responsáveis pelo Seguro Desemprego, abonos do PIS/PASEP e programas de desenvolvimento, uma parcela dos quais é administrada pelo BNDES. O FAT é gerido por um Conselho Deliberativo – CODEFAT, dos quais fazem parte órgãos do governos federal, representantes de entidades patronais, e pelo lado dos trabalhadores, os representantes das centrais sindicais reconhecidas (ver nota [48]).
[17] O número de professores do ensino oficial do Estado foi consultado na página do IBGE; o número de professores filiados na página da própria APEOESP.
[18] Informação da página do próprio SEEB-SP.
As imagens que ilustram o artigo são de Henri Matisse
FONTEPassa Palavra
“De pé, ó mortos!”: a radicalização da luta dos imigrantes na França
2019-07-26T21:24:26Z via Dianara To: Public CC: Followers
Estariam eles falando de quais mortos? Os ali enterrados – alguns deles heróis da Revolução Francesa que dois dias depois comemoraria o seu aniversário – ou de todos aqueles que tombaram nas fronteiras?
https://passapalavra.info/2019/07/127301/
Por Passa Palavra
17/07/2019
1624
Na primavera de 2016, a partir de uma ocupação da Praça da República, em Paris, contra a Lei El-Khomri – uma substancial reforma do código trabalhista francês – trabalhadores, levando a reboque e não sem conflitos as tradicionais centrais sindicais, criaram o movimento Nuit Debout. Quase dois anos após, em um movimento que está por ser explicado, trabalhadores espalhados por todo o país vestiram seus coletes amarelos e passaram a questionar o aumento do custo de vida.
Em maio deste ano, entretanto, uma confluência entre esses dois movimentos se deu. Um dos coletivos derivados do Nuit Debout, o La Chapelle Debout[1], parece estar na origem de um movimento de imigrantes ilegais, que se autodenominou Gilets Noirs, os Coletes Negros[2]. A sua primeira ação foi ocupar durante duas horas um dos terminais do maior e mais importante aeroporto de Paris, o Charles de Gaulle. O objetivo era denunciar o papel da companhia aérea Air France na deportação dos imigrantes ilegais. Desde então os coletes negros vêm se definindo enquanto um movimento de “imigrantes moradores de rua e em centros de acolhimento na região de Paris, em luta”.Ocupação do terminal do aeroporto Charles de Gaulle
No seu primeiro manifesto, ainda referente à ocupação do terminal do aeroporto Charles de Gaulle, os coletes negros afirmaram: “atacaremos aquelas e aqueles que exploram e tiram proveito dos ‘sem documentos’, assim como atacaremos aquelas e aqueles que organizam e vivem do racismo na França” (…) “Não temos medo da morte, mas da humilhação”.
Desde então o movimento vem se organizando e realizando outras intervenções. Porém, foi no último 12 de julho que aconteceu a ação mais ousada: ocuparam o Panteão, o vasto monumento onde estão os túmulos de mortos considerados ilustres. Os coletes negros exigiram uma reunião com Édouard Philippe, primeiro-ministro francês, nomeado pelo presidente Emmanuel Macron. Ameaçavam sair do local apenas quando tivessem a garantia de regularização de todos ali presentes (ver abaixo o manifesto). Mais de 300 imigrantes gritavam: “O que a gente quer? Os documentos! Para quem? Para todos!”. Do lado de fora, outros imigrantes e apoiadores do movimento sofriam com a repressão policial.
Os coletes negros batizaram a ação de “De pé, ó mortos!”, aparentemente em referência à primeira estrofe d’A Internacional. Mas estariam eles falando de quais mortos? Os ali enterrados – alguns deles heróis da Revolução Francesa que dois dias depois comemoraria o seu aniversário – ou de todos aqueles que tombaram nas fronteiras?
Na noite desse 12 de julho, o primeiro-ministro, sem apresentar nenhuma concessão aos manifestantes, declarou em sua conta do Twitter:
Todas as pessoas que se colocaram dentro do #Panthéon foram evacuadas. A França é um Estado de Direito, com tudo que isso implica: o respeito pelas regras que se aplicam ao direito de permanência, o respeito pelos monumentos públicos e pela memória que representam.
Até então, 21 pessoas estavam em prisão administrativa, porém o movimento ameaça bloquear o avião caso eles sejam deportados. Há promessas de novas ações.
Manifesto dos Coletes Negros:
DE PÉ, Ó MORTOS!
Hoje, nós, imigrantes sem documentos, habitantes dos abrigos, moradores de rua, ocupamos o Panteão.
Somos os sem papéis, os sem voz, os sem rosto para a República Francesa. Estamos perante os túmulos dos vossos grandes homens para denunciar as vossas profanações, as profanações das memórias dos nossos camaradas, dos nossos pais, das nossas mães, dos nossos irmãos e irmãs no Mediterrâneo, nas ruas de Paris, nos centros de acolhimento e nas prisões. Na França a escravidão continua de outra forma. Nossos pais morreram pela França.
E aqueles que estão mortos, estão mortos. A responsabilidade cabe aos vivos, àquelas e àqueles que hoje têm o poder. Que os mortos repousem em paz.
Anteontem atacámos a fronteira, quando ocupámos o terminal da Air France no aeroporto Charles de Gaulle. É aí que a polícia francesa nos mete em aviões rumo a Argel, Dakar, Khartoum, Bamako e Kabul. É aí que Djiby foi deportado.
Ontem invadimos a torre de Elior, em La Défense, e a Diretoria Geral do Trabalho. Nós fomos dizer aos patrões que nos humilham e vergam: o medo mudou de lado!
Hoje respondemos ao Estado e ao seu racismo, na França e na Europa. Vimos defender a nossa dignidade! Já não faremos súplicas, e pela luta vamos conquistar os nossos direitos!
Viemos vos dizer que o lema da França para os estrangeiros é: humilhação, exploração, deportação. A França que faz guerra lá longe, que pilha nossos recursos e decide em nosso nome com os nossos Estados corruptos. A França que nos faz guerra aqui.
NÓS OCUPAMOS
Porque há 200 mil residências vazias em Paris, e porque os nossos dormem embaixo dos viadutos da auto-estrada que circunda Paris, e porque ontem a Prefeitura colocou vedações nas ruas do acampamento da Avenida Wilson, em Saint-Denis. Porque no centro de acolhimento de Thiais, como em todos os outros, a polícia vem pela manhã apreender os moradores, até nos seus quartos.
Exigimos a libertação de nossos camaradas Coletes Negros, retidos nos centros de detenção, bem como a de todos os outros.
Exigimos a abolição dessas prisões para estrangeiros!
Não nos limitamos a lutar pelos sem-documentos, mas lutamos contra o sistema que cria os sem-documentos.
Não pagaremos mais a um policial ou a um agente de guichê para obter audiências.
Não queremos mais ter que negociar com o Ministério do Interior e as suas prefeituras.
QUEREMOS FALAR COM O PRIMEIRO-MINISTRO EDOUARD PHILIPPE, AGORA!
Continuaremos aqui até que o último de nós tenha documentos e para que aquelas e aqueles que virão depois tenham a liberdade de permanecer!
A todas aquelas e todos aqueles que se revoltam aqui, no Sudão ou na Argélia, aos nossos camaradas, a todas aquelas e todos aqueles que lutam contra os exploradores, a todas aquelas e todos aqueles que pensam que nenhum ser humano é ilegal, a todas aquelas e todos aqueles que já estão cansados de barrar a extrema-direita de 5 em 5 anos, e que estão convictos de que a luta contra o racismo que aí vem é o combate contra o racismo existente.
Documentos e moradia para todas e todos! Liberdade de circulação e instalação! Viva a luta dos Coletes Negros!Panteão ocupado pelos Coletes Negros
Notas
[1] La Chapelle é um bairro do norte de Paris, tipicamente de imigrantes, hoje em sua maioria indianos. Sob uma das estações de metrô próximas ao bairro, a de Stalingrado, costumam ser montados os acampamentos dos imigrantes “sem papeis” recém-chegados, quase todos da África Subsaariana.
[2] Após os Coletes Amarelos [Gilets Jaunes], muitos outros movimentos surgiram se apropriando do mesmo nome, mudando apenas a cor. Gilets Noirs são, literalmente, Coletes Negros.
Institucionalização e contestação: As organizações e as lutas do movimento negro no Brasil
2019-07-26T21:16:35Z via Dianara To: Public CC: Followers
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As lutas do movimento negro se reduzem apenas a mera luta por “emancipação política”, aquela que serve apenas para emergir ao status de uma nova elite, reproduzindo, assim, as condições de opressão do capitalismo.
Por Nicolas Lorca
https://passapalavra.info/2019/07/127388/#comment-461705
As lutas do movimento negro no Brasil são datadas desde antes da libertação dos escravos. Nas primeiras décadas do século XX, diversas organizações do movimento negro surgiram e se espalharam pelo país. Sem sombra de dúvidas, três organizações foram fundamentais para a construção das lutas do movimento negro contemporâneo: a Frente Negra Brasileira (FNB), o Teatro Experimental do Negro (TEN) e o Movimento Negro Unificado (MNU).
A Frente Negra Brasileira surge no início do século XX, marcando significativamente o movimento negro no Brasil. Suas lideranças defendiam o nacionalismo extremado, e o ódio aos imigrantes e à democracia liberal faziam parte do bojo ideológico dessa organização. O caráter conservador da mobilização racial dos anos 1930 é bem conhecido, assim como sua hostilidade à democracia liberal, mas adquire maior expressão quando lembramos a movimentação anarquista no começo do século, inclusive com a famosa greve de 1917.
Posteriormente, outro movimento se destaca. Nos anos de 1940, surge no eixo Rio de Janeiro-São Paulo o Teatro Experimental do Negro. Esse movimento tinha por objetivo discutir as relações raciais e a interpretação do negro nas artes. O Teatro Experimental de Abdias Nascimento propunha essa formulação da representação do negro na sociedade. Em contrapartida, Solano Trindade — que até então era integrante do Teatro Experimental — propunha uma perspectiva que antielitista que se voltasse para questionar os problemas sociais e a desigualdade social na realidade brasileira. Nesse sentido, Tridade propunha a construção de um movimento negro anticapitalista, que não estivesse vinculado às instituições e que pautasse diretamente a desigualdade social. Por causa das contradições políticas do TEN, Trindade rompe em 1950 e funda o Teatro Popular Brasileiro (TPB).
Depois disso, no auge da ditadura militar surge o MNU. Em 1974, a emergência das lutas sociais, o racismo e a violência racial colocam num plano político a tentativa de se contrapor à democracia racial. O MNU foi, sem dúvidas, um movimento que influenciou o movimento negro brasileiro na contemporaneidade. Após a redemocratização, diversos coletivos e organizações do movimento negro surgem, reproduzindo as mesmas dinâmicas e perspectivas.
O movimento negro, sobretudo na contemporaneidade assume um caráter dualista no sentido 1) de retornar as antigas perspectivas do movimento negro brasileiro e 2) construir uma luta contra o racismo. O movimento negro no Brasil, em sua gênese, conta com enormes deformidades — se tratando de um movimento, reivindica-se de esquerda — e um largo vínculo institucional.
Tendo isto em vista, o presente artigo busca compreender a história do movimento negro no Brasil desde suas origens e suas influências na contemporaneidade. Dessa forma, recorre-se a bibliografias referentes à temática, buscando elencar de forma crítica as tendências, as vitórias e as derrotas.
Da Frente Negra ao Teatro Experimental
A Frente Negra Brasileira surge no início do século XX, com um programa destinado a discutir a desigualdade racial e a violência na qual os negros estavam inseridos. Antes de sua institucionalização em 1931, a FNB acumulou mais de 100 mil membros e se espalhou pelas principais capitais brasileiras. No entanto, no decorrer desse processo, nota-se uma aproximação maior com o nazifacismo e do patrianovismo.
Em 1936, a FNB transformou-se em partido político e pretendia participar das próximas eleições, a fim de capitalizar o voto da “população de cor”. Influenciada pela conjuntura internacional de ascensão do nazifascismo, notabilizou-se por defender um programa político e ideológico autoritário e ultranacionalista.
A FNB surge num contexto bastante específico de nossa história: a Era Vargas. A proposta inicial desse movimento — que pretendia lançar-se como partido político — era a de que a questão racial precisava ser pautada radicalmente e que a condição do negro na sociedade brasileira era demasiadamente dura. No entanto, o interior desse “partido político” era extremamente contraditório. O caráter conservador da mobilização racial dos anos 1930 é bem conhecido, o seu apoio declarado ao nazifacismo, o tratamento hostil com os imigrantes europeus (sobretudo os imigrantes italianos) e a sua proximidade com o movimento integralista. Regina Pinto nota que: “[…] não era apenas o presidente [da FNB] que demonstrava simpatia pelos regimes totalitários, então em franca ascensão na Europa. Vários líderes negros, ligados à [FNB], certamente influenciados pelas ideias nacionalistas e patrinovistas, também expressaram-se favoravelmente em relação a esses regimes”[1].
A perspectiva programática do FNB — corroborando ainda com o que fora mencionado acima — não deixou de se instrumentalizar e aliar-se à extrema-direita brasileira, se identificando, sobretudo, com o nazifascismo. A respeito disso, Domingues argumentou que: “[…] influenciada pela conjuntura internacional de ascensão do nazifascismo, notabilizou-se por defender um programa político e ideológico autoritário e ultranacionalista. Sua principal liderança, Arlindo Veiga dos Santos, elogiava publicamente o governo de Benedito Mussolini, na Itália, e Adolf Hitler, na Alemanha. O subtítulo do jornal A Voz da Raça também era sintomático: ‘Deus, Pátria, Raça e Família’, diferenciando-se do principal lema integralista (movimento de extrema-direita brasileiro) apenas no termo ‘Raça’“[2].
A posição conservadora e demasiadamente conturbada da FNB compatibilizou-se fundamentalmente com as propostas de “criação de uma nação negra” e “supervalorização da cultura negra” e as propostas Pan-Africanistas de “retorno à África”[3]. Essas propostas estavam em clara oposição à ideia de “branqueamento social” por meio da qual o governo brasileiro defendia a imigração.
Nesse escopo, surgem as primeiras tentativas de se construir cidades e territórios majoritariamente negros. Em Porto Alegre, por exemplo, surgem as “colônias” negras, onde o que vigorava era uma espécie de “ajuda mútua” entre os “homens de cor”. A União dos Homens de Cor é um exemplo de entidade de ajuda mútua. Fundada em Porto Alegre em 1943, estruturou-se em mais de 10 estados em apenas cinco anos. O grupo organizou-se como movimento negro no processo de redemocratização na década de 40, quando surgem outras entidades como o Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento. Lutavam contra a discriminação racial e buscavam formas de ascensão social, através da educação e da assistência social[4]. Em seu estatuto, a União dos Homens de Cor afirma seguir um sonho.
Com o advento do Estado Novo a Frente Negra foi diluída, mas as organizações do movimento negro não deixam de existir completamente. A mobilização racial volta a ter um momento relevante nos anos de 1940 e 1950, marcada indubitavelmente pelo TEN. Em torno do TEN foram organizados diversos seminários e congressos, além da atividade teatral propriamente dita, no eixo São Paulo-Rio de Janeiro, sob a liderança de Abdias do Nascimento[5].
A trajetória do TEN conta ainda com enormes contratempos e divergências, sobretudo na forma e a quem o teatro era voltado. Fundamentalmente, seus criadores advinham da elite negra paulista e carioca e, embora pautassem a questão racial, esta ainda era bastante limitada. Dentro dessa divergência, surge, em contraposição, o TPB, idealizado por Solano Trindade. A proposta de Trindade era, em certa medida, combater o elitismo do TEN e construir um debate que abarcasse a questão de classe. Nesse momento, surge, pela primeira vez, um debate que avance para além da questão racial e que compreenda minimamente uma relação entre raça e classe.
Contudo, a experiência do Teatro Popular é minimizada e a ela não cabe mais do que meio parágrafo ou uma simples nota de rota pé na literatura acadêmica. Por outro lado, o TPB significou um avanço importante para o debate acerca da questão racial no Brasil, pois, além de compreender a “negritude”, trouxe o debate acerca das relações produção nas quais o negro estava inserido. Em síntese, essa experiência buscava levar o debate sobre o racismo para o negro trabalhador e marginalizado.
Na primeira metade do século XX, o movimento negro começa a se organizar. Contudo, suas mobilizações fugiram do que compreende a militância do movimento negro contemporâneo a respeito desse período. A Frente Negra Brasileira tinha um projeto declaradamente fascista e, mesmo assim, vazio de qualquer (na falta de uma precisão conceitual) “mobilização anticapitalista”.
Posteriormente, os esforços investidos nas ações do Teatro Experimental do Negro mostram-se ineficientes, pois além compreenderem o fim da desigualdade racial a partir da integração do negro na sociedade capitalista, não conseguia fazer chegar as classes mais baixas a “consciência da luta negra”. Por fim, a União dos Homens de Cor e diversas outras organizações assistencialistas foram duramente reprimidas e desarticuladas com o inicio da Ditadura Militar e só voltam a ter alguma organização mais solida a partir dos anos de 1970.
O Movimento Negro na segunda metade do século XX no Brasil
A segunda metade do século XX foi, em certa medida, bastante produtiva para o movimento negro brasileiro. Nesse momento, sobretudo no final dos anos de 1970, começam a surgir diversos coletivos e grupos — com diferentes tendências e perspectivas — de estudos a respeito da questão do negro na sociedade brasileira.
Numa tentativa de convergir as diferentes perspectivas para uma luta comum — ou seja, o combate ao racismo e a desigualdade racial —, surge, na esteira desses movimentos, o Movimento Negro Unificado. A criação desse movimento trazia uma novidade, mesmo que precária, para o debate racial no Brasil: pensar de forma relacionada a questão do racismo e a luta de classes. Dessa forma, a política que conjugava raça e classe atraiu aqueles ativistas que cumpririam um papel decisivo na fundação do Movimento Negro Unificado[6].
É nessa conjuntura que diversas organizações e perspectivas começam a convergir na tentativa de constituir tal movimento. Nesse sentido, vale menção ao grupo trotskista “Convergência Socialista”, que foi fundamentalmente importante para a construção do MNU e, posteriormente, sua integração ao Partido dos Trabalhadores.
É inegável o poderio organizativo do MNU em seus primórdios e como ele conseguiu atrair a juventude negra e setores da classe trabalhadora. Luiz Barcelos, em seu excelente artigo a respeito da mobilização racial no Brasil, observa que “o mais nítido projeto político da mobilização racial contemporânea se materializa com a criação, em 1978, do Movimento Negro Unificado. Dois aspectos são fundamentais no perfil do MNU. O primeiro é a integração das variáveis raça e classe na prática política da organização, o segundo é a tentativa de articular as diversas organizações e grupos atuando naquele momento”[7].
A proposta inicial era a de que o movimento se denominaria “Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial”. Porém, no primeiro congresso realizado em dezembro de 1979 no Rio de Janeiro, a organização passa a se chamar Movimento Negro Unificado. A adoção de um referencial racial inviabilizou uma aglutinação ampla de diversos segmentos discriminados, como certamente era projeto de alguns dos militantes. Assim, caracterizou-se uma ruptura na qual o “projeto do Núcleo Negro Socialista [de luta] contra o racismo foi reformulado, sendo formada uma organização negra, independente da estrutura e da direção da esquerda, embora o princípio classista para a luta contra o racismo fosse preservado”[8].
No entanto, não podemos concordar efetivamente que o MNU manteve sua posição classista e apresentaremos no próximo tópico uma análise mais profunda sobre isso. Fundamentalmente, o MNU esteve, desde sua criação, ligado aos novos partidos de esquerda e de oposição ao regime militar que surgiam naquele contexto. Com base nisso, Leitão e Silva argumentam que devemos analisar o MNU sob a ótica de um “tensionamento institucional”. Segundo eles, “[…] o tensionamento institucional seria o tipo de relação que crescentemente caracterizaria a trajetória do Movimento Negro no Brasil no período estudado. Buscando superar uma leitura simplista que tendeu a associar esta relação a uma ‘cooptação’ do Movimento pelas forças políticas no governo, sustenta-se aqui que o tensionamento institucional, combinando o ativismo institucional de militantes negros com a ação contestatória extrainstitucional é fundamental para explicar, pelo menos em parte, algumas das conquistas obtidas pelo Movimento Negro em termos de políticas de igualdade racial no Brasil pós-redemocratização”[9].
É preciso observar a perspectiva dos autores supracitados por duas diferentes óticas: em primeiro lugar, o MNU não surge completamente institucionalizado, mas, já no seu início, observa-se uma forte tendência à institucionalização, à alternativa político-partidária e a uma perspectiva que tenciona as relações e as lutas pelo viés da politica tradicional. Em segundo lugar, a ideia de “cooptação” abordada pelos autores não se dá em sua forma completa logo no início do movimento; pelo contrario, ela se gesta e se efetiva ao longo desse processo.
Quando tratamos de “cooptação” não estamos afirmando que o negro ou “os movimentos negros” estiveram sem escolha e por isso utilizaram-se da via institucional; pelo contrário, a força política que o MNU detinha naquele momento podia ter sido voltada para uma luta exterior aos partidos e sindicatos. Então, por que não o fez? Por que optou por associar-se aos partidos que surgiam naquele momento? Em todos os livros e artigos lidos para a redação deste texto, podemos encontrar um denominador comum a respeito dessas questões: o MNU via a política institucional como lugar de representação e, por sua vez, os negros e os movimentos negros precisavam ocupá-la para que fizessem “valer a sua voz”.
A abertura para a criação de novos partidos gerou muitas expectativa nos militantes da esquerda brasileira, muitos deles lideranças de movimentos sociais como o próprio Movimento Negro. Essa oportunidade de acesso à política partidária foi encarada por muitos ativistas e organizações sociais como a possibilidade de disputa concreta de espaços políticos institucionalizados (prefeituras, governos estaduais e cadeiras nos legislativos municipais, estaduais e nacional)[10]. O Partido dos Trabalhadores foi demasiadamente importante nesse processo.
O MNU e as lutas do movimento negro contemporâneo
O atrelamento do MNU ao Partido dos Trabalhadores trouxe a possibilidade de “representação negra”. Nesse sentido, as possibilidades de luta anticapitalista no movimento negro tornaram-se demasiadamente reduzidas. Esse atrelamento gerou inúmeras divergências internas no MNU, pois não concebiam uma luta contra o racismo que estivesse vinculada a um partido politico, sobretudo parte dos militantes da Convergência Socialista e da Liga Operária. Essa perspectiva surgiu por parte da ala trotskista no MNU, que tomava uma posição minimamente anticapitalista. Esses militantes, que haviam militado anteriormente na Convergência Socialista, se viram divididos, pois a sua ampla maioria ingressou no PT.
Na medida em que o PT cresce e alcança cargos nos municípios e nos estados, os quadros do MNU aumentam. Concomitantemente, observa-se ainda uma relação onde cada vez mais os militantes estão inseridos nas dinâmicas institucionais. No terceiro capítulo de sua dissertação de mestrado, acerca da “elite política negra no Brasil”, Flavia Rios observa que, a partir desse atrelamento do MNU ao PT, uma série de coletivos e organizações do movimento surgem reproduzindo essa mesma dinâmica institucional. No decorrer de sua análise, a autora aponta poucas organizações e períodos de uma luta anticapitalista no movimento negro brasileiro[11].
Após quase trinta anos de institucionalização, o MNU transformou-se numa organização que possui pouca — ou quase nenhuma — inserção no movimento negro. No entanto, a perspectiva de “representação política” continua demasiadamente inserida no movimento negro, talvez por influência do MNU ou da capitalização crescente das lutas, dos símbolos, dos movimentos e da cultura negra[12].
Encontra-se inserida nesse processo a busca por reafirmar o negro na sociedade de classe. Essa luta, por sua vez, apresenta igualmente todos os vícios das organizações negras anteriores, pois reforça o colorismo e se mostra cada vez mais contrária às relações inter-raciais. Para além desse aspecto primário, o movimento negro contemporâneo apresenta diversas outras características que reproduzem as velhas dinâmicas e perspectivas do movimento negro brasileiro.
Dessa forma, as lutas do movimento negro se reduzem apenas a mera luta por “emancipação política”, aquela que serve apenas para emergir ao status de uma nova elite, reproduzindo, assim, as condições de opressão do capitalismo. Nota-se ainda uma íntima relação entre o fascismo e o movimento negro brasileiro. Em diversos momentos, observa-se um apoio declarado ao nazifacismo ou, ainda, diversas práticas e perspectivas fascistas no interior desse movimento.
Portanto, não poderia terminar este texto sem antes deixar o questionamento: é possível construir um movimento negro anticapitalista nas atuais condições?
Notas
[1] BARCELOS, Luiz. Mobilização Racial no Brasil: uma revisão crítica. Afro-Ásia, v.1, n. 17, 1996. p. 196.
[2] DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, v. 12, n. 23, 2007. p. 106.
[3] Sobre a ideia de retorno à África, recomendo a leitura da série De volta à África, de Manolo e João Bernardo.
[4] CAMPOS, Daivison M. C. de. O grupo palmares (1971-1978): um movimento negro de subversão e resistência pela construção de um novo espaço social e simbólico. 2006. Dissertação (Mestrado em Historia) — Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
[5] BARCELOS, Luiz. Mobilização Racial no Brasil: uma revisão crítica. Afro-Ásia, v. 1, n. 17, 1996. p. 196.
[6] BARCELOS, Luiz. Mobilização Racial no Brasil: uma revisão crítica. Afro-Ásia, v. 1, n. 17, 1996. p. 199.
[7] Ibid., p. 199.
[8] Ibid., p. 199-200. Grifo nosso.
[9] LEITÃO, Leonardo; SILVA, Marcelo. Institucionalização e contestação: as lutas do Movimento Negro no Brasil (1970-1990). Política & Sociedade, Florianópolis, v. 12, n. 17, set./dez. 2017. p. 320.
[10] Ibid., p. 343.
[11] RIOS, Flávia. Elite política negra no Brasil: relação entre movimento social, partidos políticos e Estado. 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
[12] É preciso esclarecer, para que não haja equívocos, que para nós essa capitalização faz parte do capitalismo e de sua dinâmica do lucro. Portanto, não se toma essa capitalização como algo desatrelada do capitalismo. Desse modo, superar essa relação implica na ruptura com o capitalismo.2019-05-15T00:56:09Z via datamost.com Web To: Public CC: Followers
Assédio moral e luta na Pirelli
https://passapalavra.info/2019/05/126484/Muitos companheiros voltam pra suas casas dopados de remédios pra dor muscular, chegam pra trabalhar tomando remédio e vive pra trabalhar num ambiente que só mata.14/05/20199Por João
Meu nome é João, trabalho nesta fábrica há 8 meses desempenhando uma função das mais exaustivas dos 5 grandes setores da fábrica. Sendo elas: “Matéria-prima e bamburys”, “semiprontos”, “confecção”, “vulcanização” (que é onde trabalho) e o “acabamento”. Nesses setores todos, as condições de trabalho são precárias, com máquinas extremamente “idosas” que quebram todos os dias ao menos uma vez, causando acúmulo de trabalho atrasado (pois a produção não para nunca!). No último mês de dezembro, junto com a economia mundial em beiras de uma crise avassaladora, a Pirelli Campinas demitiu cerca de 200 funcionários dos mais variados, operadores em sua maior parte, mas também gente da chefia, aposentados, lesionados, os ditos “meia boca” (que não conseguem deixar a mais-valia comer solta em sua carne)… Com a conivência do sindicato, que em anos de história já conseguiu dividir uma base de quase 10 mil trabalhadores da indústria de borracha na região de Campinas em um sindicato por empresa (Campinas: Pirelli e Bridgestone, Americana: Goodyear; nas demais cidades da região empresas menores, nacionais e “menos importantes” pro sindicato). Sendo assim, num quadro de 2200 funcionários, em um mês esse número baixou muito, mas logo veio outro facão. Em março, cheguei um belo dia na fábrica, eu, que trabalho no segundo turno, encontro com um colega do primeiro que fala “mulequinho, enfia o celular no cú, porque se os cara pegar cê roda também!”… Chegando no meu posto, vi que não estava normal o fluxo de trabalho, e tava bem pequeno… Fui olhar pras máquinas que abastecem o meu posto, estavam faltando 6 operadores, de 10 que trabalham ali… Pois bem, neste mesmo dia, no final do turno, havia uma van esperando pelos próximos alvos do facão no terceiro turno. Ao final, foram mais quase 200 pra vala… A Pirelli em Campinas é popularmente conhecida como “mãe”, por isso quando você fala pra alguém que você trabalha lá é provável que você vá ouvir “nossa que bom, lá o salário é ótimo, neh?!” Ou “aaah, a Pirelli é uma mae, neh?!”. A verdade é que quem diz isso provavelmente não trabalha nem nunca trabalhou lá… Eu entrei ganhando menos de nove reais a hora, até que não é tão ruim em vista do que essas “grandes multinacionais” instaladas aqui na região tão fazendo com a reforma trabalhista valendo. A grande questão é que o teto deste salário é tão baixo que dá pra comparar com das senzalas. Outra grande questão é que o tal “dois anos para igualar” o salário é burlado e usurpado pela empresa, com quase dois anos de congelamento dos “aumentos” (que nada mais são que progressões da categoria, que são, vale dizer, uma conquista história da classe operária brasileira). Fora essa progressão, não há aumento salarial real algum! Como consequência das demissões em massa (prevendo um próximo facão pra no máximo dois meses), a ultracarga de trabalho se torna cada dia maior, perdemos nos últimos seis meses os horários de café (20 minutos), operamos mais de uma máquina ao mesmo tempo, e muitas vezes fazemos funções de diversas áreas pois “está sobrando mão de obra”, diz a chefia… Isso só no meu setor, na matéria prima-as condições de um ser humano habitar aquilo é somente por extrema necessidade do emprego! Os exaustores quebram e todo o pó preto emborrachado fica no ar da fábrica, névoa de pneu no pulmão do proletariado. E tudo isso com o mínimo de EPIs possível, só o básico mesmo pra não dizer que não tem. Muitos companheiros voltam pra suas casas dopados de remédios pra dor muscular, chegam pra trabalhar tomando remédio e vive pra trabalhar num ambiente que só mata. Em 2012 houve a primeira greve na fábrica da Pirelli Campinas, a produção foi paralisada por 48h, turno após turno, com a pauta explícita: “contra o assédio moral!” “Por melhores salários e condições de trabalho”, vejam os vídeos no YouTube (aqui e aqui) e vejam como a luta foi bonita.2019-05-14T22:30:25Z via datamost.com Web To: Public CC: Followers
Início Noticiar Movimentos em Luta 14 MAIO 2019 (GO) UFG escolhe demitir 34 trabalhadores terceirizados14 MAIO 2019 (GO) UFG escolhe demitir 34 trabalhadores terceirizados
14/05/201939Por Coletivo Invisíveis
Quantas vezes você se perguntou onde foi parar a moça da limpeza que mantinha o seu prédio higienizado? E o senhor da vigilância que, além de trabalhar muito, se dispunha a te informar sobre lugares da Universidade? Talvez você não saiba, mas pra eles os cortes chegaram (e ainda chegam) mais cedo. Durante a Assembleia Universitária realizada no Centro de Eventos do Campus Samambaia, o reitor apresentou dados referentes, dentre outras coisas, ao gradativo corte de verbas destinadas ao custeio/investimento dentro da UFG. O que não foi explicitado, no entanto, é como essa queda orçamentária influenciou na vida dos trabalhadores terceirizados (desde 2014 houve redução no quadro geral e isso você vê no link abaixo ). Pensando na intensa exploração sofrida de forma crescente por estes trabalhadores, hoje os técnico-administrativos cobraram do reitor transparência e prioridade nas contas relacionadas a trabalhadores terceirizados. Alguns minutos depois, fomos avisados pelos próprios funcionários terceirizados (em estado de desespero) de que, mais uma vez, a crise já batera à porta antes mesmo de finalizada a Assembleia da Esperança. A UFG optou por demitir trinta e quatro trabalhadores da vigilância. Confirmamos isso com imagem do aviso prévio e apuração de que, de fato, foi por corte de gastos, apesar de isso não ter sido explicado na hora da entrega do aviso prévio.Não faz sentido se esforçar para quitar dívidas de energia, água, e deixar à míngua pessoas que tanto fizeram (e fazem) pela Universidade Pública. É inaceitável que, para “não afundar de vez”, a gestão expulse do navio os tripulantes responsáveis pela sua construção e manutenção! É irresponsável realizar a construção de mais prédios se não haverá braços que garantirão seu funcionamento! Por isso, o Invisíveis convida você, trabalhador ou estudante, que faz parte do cotidiano da Universidade Federal de Goiás, a compartilhar esse post e apoiar o trabalhador terceirizado de sua unidade. “Mas diz aí como eu faço isso, Invisíveis?” *Questione a direção de sua unidade, onde está aquela moça que ficava no balcão ou na limpeza;
*Fale com o moço da vigilância e veja se ele recebeu o aviso prévio ou conhece alguém que tenha recebido;
* Pergunte à moça da limpeza onde está a sua colega de serviço e se falta material de trabalho;
*Converse com os seus colegas e leve às assembleias e reuniões de sua unidade a pauta de defesa da garantia dos trabalhadores terceirizados;
* Reivindique que os professores e estudantes sigam o exemplo dos técnicos e pressionem o reitor. Mostre que você, ao contrário da administração da UFG, se importa com os seres humanos que estão por trás dos uniformes e vamos juntos exigir que a reitoria reverta essas demissões. Trabalhador invisível, há quem te enxergue!Jackson de Jesus likes this.
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2019-05-14T22:26:19Z via datamost.com Web To: Public CC: Followers
Faltaram 34
Pois bem, se essa não é a pauta deles, é a nossa. Trinta e quatro famílias vão ser afetadas, tô falando de pôr comida na mesa e pagar conta pra sobreviver. Tô falando de gente, PESSOAS, demitidas, arrasadas, preocupadas.14/05/2019183Por Isadora Malveira
Hoje, dia de assembleia geral convocada pela reitoria [da Universidade Federal de Goiás — UFG], tinham cerca de 4 mil pessoas no Centro de Eventos, aguardando o posicionamento e informes sobre a situação financeira da universidade. Reitor garantiu que na haveriam demissões devido aos cortes de gasto. Alívio! Ao menos uma pequena vitória no meio de tantos ataques e, sinceramente, derrotas. Enquanto o reitor convidava essas pessoas todas pra abraçar o Centro de Eventos, companheiros vão falar com os funcionários terceirizados, pra levar a boa nova. Eles, no entanto, os receberam com a voz embargada e um aviso prévio na mão. Trinta e quatro vigias foram demitidos. Trinta e quatro. Os primeiros afetados nesse momento são os trabalhadores. A notícia das demissões foram um soco no estômago, assembleia estava cheia, um momento pra se pedir um esclarecimento da reitoria e pra lembrar todos os presentes quem já está fudido. A fila para inscrição de fala estava gigante, era impossível falar do 39° lugar, lá já estaria esvaziado [a assembleia]. Na esperança, ainda me iludo às vezes, falei com um pessoal do DCE, que falariam logo em seguida, pra ver se me davam um minutinho ou, eles mesmos, levassem essa informação ao público. Mas, não, essa não era a pauta deles. As falas que se seguiram foram agradecendo a reitoria de esquerda por proporcionar ao corpo estudantil aquele momento. Foi pra tirar o pé do chão, estilo show de axé. Pois bem, se essa não é a pauta deles, é a nossa. Trinta e quatro famílias vão ser afetadas, tô falando de pôr comida na mesa e pagar conta pra sobreviver. Tô falando de gente, PESSOAS, demitidas, arrasadas, preocupadas. Sabe, o chão da faculdade não se limpa sozinho, o banheiro não se lava sozinho, a segurança não é feita por mágica, a UFG não é Hogwarts que as portas se abrem só, precisa de um funcionário responsável pelas chaves, pra abrir e fechar. É um soco no estômago e é pra ser mesmo. É pra doer. É absurdo, é inadmissível. Ainda me surpreendo, sim. Porque é uma questão tão básica, de solidariedade primária. A defesa da universidade se faz urgente mesmo e, pasmem, lutar para revogar essas demissões se tratam disso também. Essa é uma pauta urgente, pra ontem. O inadmissível é inadmissível. Não deve ser acostumado, não deve ser relevado nem negociado. Inadmissível é pra ser rechaçado, acabado, destruído. E essas demissões são isso, inadmissíveis. Cabe a nós lutar para revogar cada uma delas. Abraçam prédio mas não olham com humanidade pra seres humanos, inadmissível.Jackson de Jesus likes this.
2019-05-14T09:18:00Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Movimentos em Luta 30 ABRIL 2019 Auxiliar Invísivel denuncia humilhação, terceirizados lutam por passe
30 ABRIL 2019 [GOIÁS] Auxiliar Invísivel denuncia humilhação, terceirizados lutam por passe
https://passapalavra.info/2019/05/126401/
Pois bem, a vida é feita de injustiças? Sim. Temos que aceitar? Não.
01/05/2019
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Então, o que você faz mesmo? Relato de uma auxiliar de atividades da educação municipal de Goiânia
Vocês sabem o que um Auxiliar de Atividades Educativas é ou o que faz? Tudo bem. A própria Secretaria Municipal de Educação (nossa querida SME) não sabe dizer ao certo, na verdade, nem lidar conosco ela sabe. São vários casos de problemas de saúde, físicos e/ou mentais, por conta do trabalho puxado, do tratamento diferenciado (para o mal) dentro das instituições – CMEI’s, CEI’s, Escolas, da falta de organização da SME ao lotar funcionários em instituições e depois avisar que essas pessoas estão excedentes várias e várias vezes e, quando questionada, simplesmente diz que temos que “aceitar” (aos berros) pois a vida é assim, cheia de aprendizados.
Pois bem, a vida é feita de injustiças? Sim. Temos que aceitar? Não. Não temos que aceitar ser ignorados pelos pais/familiares das crianças na entrada ou saída das instituições. Não temos que aceitar ser feitos de tapa-buraco quando a professora falta. Não temos que aceitar ser quebra-galhos quando outros funcionários faltam. SME e seus representantes dentro das escolas, CEIs e CMEIs têm que entender que quando fazemos algo que não está dentro das nossas atribuições estamos fazendo um favor e, como tal, podemos nos recusar. Ser educado, prestativo, pensar no coletivo, não nos torna TROUXAS.
A/o Auxiliar, também conhecido por outros nomes, é quem: “Auxilia professores nas atividades voltadas para o desenvolvimento integral das crianças e/ou educandos, responsabilizando-se pelo: cuidado com a alimentação, descanso e higienização dos alunos e dos utensílios de uso comum, recebimento e entrega das crianças aos pais ou responsáveis, organização dos materiais pedagógicos e equipamentos utilizados nas aulas e oficinas, acompanhamento de educandos em traslados, quando for o caso, e, de forma mais individualizada, cuidado aos alunos com necessidades de apoio nas atividades de higiene, alimentação e locomoção que exijam auxílio constante no cotidiano escolar.” (Edital do Concurso de 2016)
Não sei vocês, mas acho que somos MUITO IMPORTANTES para o andamento das atividades dentro das instituições. Então, por favor, se vocês têm contato conosco, tenham mais respeito, consideração e mesmo afeto. Aos colegas, mais consideração, por favor. Não nos confundam com servos. À SME, mais respeito, também somos profissionais, está passando da hora de termos oficialmente uma categoria adequada pois no momento somos meio administrativos, meio pedagógicos. Às famílias, afeto, nós passamos muito tempo com as crianças e nosso carinho e cuidado com elas é real.
LUTA PELO RETROATIVO DO VALE TRANSPORTE
2019-05-14T09:16:54Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Achados & Perdidos Mais histórias da Livraria Cultura (II)
Mais histórias da Livraria Cultura (II)
https://passapalavra.info/2019/04/126353/
Ele era o cara que dava a cara a tapa. "Salário veio errado" e ele já estava lá no RH questionando. "Loja era obrigada a fechar no feriado mas queriam abrir" e ele quem chegava lá com a convenção coletiva.
26/04/2019
3481
Por DORAlivreira
Esse Achado & Perdido faz parte do dossiê “Causos de trabalho”: uma seleção, feita pelo Passa Palavra, de threads relatando o cotidiano e curiosidades de diferentes trabalhadores.
Foi criado no Twitter um perfil exclusivo para fazer as denúncias em relação à exploração, abusos e desmandos realizados contra os livreiros. Segue aqui umas das primeiras threads.
Vendo tudo isso acontecendo criei até essa conta no Twitter para poder falar dos 5 anos que meu colega trabalhou na Livraria Cultura de Brasília. Segue a thread…
Primeira vez que ele entrou na Cultura ele ficou deslumbrado, passou muito tempo contemplando tudo, enquanto andava pela Livraria, recebia um bom dia e um sorriso de um funcionário que passava por ele com alguns livros que estava guardando. No fundo uma música bem tranquila.
E ele falou que seria um sonho trabalhar na Livraria Cultura. No outro dia lá estava ele deixando o currículo e pouco tempo depois participando do processo seletivo e depois sendo chamado para começar a trabalhar.
No início ele estava fascinado com tudo, tudo funcionava, tinham tudo para tornar a experiência dos clientes a melhor possível. Mas já na época que ele entrou já escutava alguns borburinhos.
Ele ia almoçar com a galera mais antiga e eles sempre comentavam algo… A colega que estava treinando ele já falava para não se preocupar, para aproveitar essa fase de ficar deslumbrado com tudo, mas que na real já estava rolando muita coisa tensa.
E aos poucos foi começando a perceber a merda que era esse ambiente. Quando aconteceu o caso de Curitiba, tiveram colegas sendo demitidos apenas por terem respondido o e-mail… Foram várias demissões em várias lojas, até que desabilitaram esse e-mail interno.
Mas o pior ainda estava por vir. Eis que uns anos depois chega o banco Itaú e começam as mudanças nos contratos. E foi bem isso, eles iriam agora trabalhar com metas de vendas que iriam impactar diretamente no salário, com um detalhe que nos primeiros meses seria como se eles tivessem batido a maior meta… Era assim: “olha o quanto vocês poderão ganhar”. Mas tinha muito mais por trás disso. Sabe o lance das advertências? Então, se você ganhasse uma, você não ganhava um benefício X. Se chegasse 1 minuto atrasado, ficava sem o benefício Y.
E adivinha, esse meu colega não assinou. Foi um dos poucos que comprou a briga com esse novo contrato e não assinou nada que eles trouxeram para ele. Todos achavam que ele seria demitido, mas não, mesmo ele não assinando falaram que ele iria receber como todos os outros.
Claro que agora que tudo isso veio a tona já sabem o que aconteceu… Foi uma perseguição absurda para tentar encaixar uma justa causa nele. Mas esse meu colega ficou atento a isso e fazia tudo na maior perfeição, e isso deixava a gerência P da vida.
Ele nunca atrasava, seus atendimentos eram prefeitos, seus pedidos sempre bem monitorados, recebia elogio de clientes e dos colegas, ou seja, não dava nenhuma brecha. E ele acabou se tornando a referência para questionar a gerência.
Ele era o cara que dava a cara a tapa. “Salário veio errado” e ele já estava lá no RH questionando. “Loja era obrigada a fechar no feriado mas queriam abrir” e ele quem chegava lá com a convenção coletiva.
Sério, ele segurou a barra da galera. Até que um dia ele comprou a briga com o dono… Aí a coisa ficou mais séria. Ele questionou o dono porque a meta do mês era X sendo que era o pior mês do ano e em nenhum outro mês eles haviam chegado se quer perto disso…
Ou seja, metas impossíveis de serem batidas… Itaú na veia, né. E rolou até uma reunião dele com o dono. Foi bizarro… O dono em Brasília sentado com ele mais o gerente no café. Depois disso a coisa começou a apertar para ele. Estavam mais ainda de olho nele.
Sobre a meta, a desculpa que falaram pra ele era que ela era feita mais de um ano antes, parece piada. Eis que conseguem dar uma advertência para ele… E o motivo eu nunca vi mais banal, sério, quando ele me contou achei surreal. Não foi justa causa, mas ele perdeu um dinheiro do bônus.
Motivo da advertência: ele estava sem cadeado no seu armário pessoal. Aconteceu o seguinte… Ele saiu de férias e quando voltou, 2 dias depois ele levou a advertência. Detalhe que eles falaram que avisaram o mês todo que era obrigatório o uso do cadeado e que falaram pra ele quando ele voltou, mesmo ele falando que não estava sabendo de nada… Foi surreal. Mas ele continuou firme, mesmo sabendo que até o computador que ele usava era monitorado.
Resultado: nunca conseguiram desestabilizar ele ou dar outra advertência e por fim mandaram ele embora. Hoje ele está na justiça contra a Livraria Cultura, mas por outros motivos.
2019-05-14T09:16:14Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Achados & Perdidos Mais histórias da Livraria Cultura (I)
Mais histórias da Livraria Cultura (I)
https://passapalavra.info/2019/04/126264/
Cansada de tudo isso, a única funcionária que havia sobrado no RH abandonou o emprego, não aguentava mais ter que lidar com tantas demissões injustas. Por uma semana, a loja não tinha mais ninguém pra realizar as demissões.
24/04/2019
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Por Mister smoka lot
Esse Achado & Perdido faz parte do dossiê “Causos de trabalho”: uma seleção, feita pelo Passa Palavra, de threads relatando o cotidiano e curiosidades de diferentes trabalhadores.
Relato de um ex-trabalhador da Livraria Cultura, motivado pela entrevista Pacto de Mediocridade, reforçando a denúncia dos constantes abusos sofridos pelos trabalhadores aí empregados:
1. Uma funcionária tomou advertência logo ao entrar no chão da loja. Motivo: um gerente a viu com a parte debaixo da camiseta de uniforme da Livraria amarrada. Detalhe que a funcionária usava um uniforme umas 3 vezes maior que o seu tamanho.
2. Me deram uma advertência uma vez por ter apresentado um atestado médico com atraso. Isso mesmo, como não podiam dar advertência pela falta, pois ela foi justificada, inventaram esse motivo.
3. Agrediram Eduardo Suplicy dentro da loja. Os seguranças nada fizeram e a livraria não se posicionou. Suplicy foi agredido por reacionários que invadiram a loja pra acusá-lo de comunista.
4. A segurança do Conjunto Nacional um dia agrediu duas funcionárias da livraria pois elas não apresentaram o crachá pra entrar na porta de funcionários. Se não fosse eu e outro cara empurrar o segurança, ele teria espancado elas. A Livraria se omitiu e não fez absolutamente nada.
5. Devido a fila gigante pro atendimento, já que a demissão em massa reduziu a equipe, um cliente estressado agrediu uma vendedora, deu um soco em seu ombro, culpando-a pela demora e foi embora na maior tranquilidade. A Livraria mais uma vez nada fez.
6. Sérgio Herz [CEO da Livraria Cultura] aparecia quinzenalmente pra colocar terror nos funcionários. Parava na frente do caixa central e ficava encarando panoramicamente o setor de literatura da loja, sempre mal encarado. Todo mundo se sentia péssimo pois sabia que o chefão estava sedento por demissões.
7. O gerente contratado com a missão de demitir o máximo possível de pessoas por justa causa andava de fininho, na encolha, espionando funcionários com muitas advertências pra tentar flagrar algo irregular que justificasse uma posterior demissão por justa causa.
8. Deixaram de depositar o meu Vale Transporte (uma semana de atraso). Eu morava em Diadema, usava ônibus e metrô. Obviamente não pude ir trabalhar nesses dias. Resultado: Tomei uma SUSPENSÃO.
9. Por falta de pessoal, um dia me fizeram levar pilhas e pilhas de livros do subterrâneo até a loja, sozinho. No outro dia, o gerente veio me cobrar dizendo que eu não levei todos os livros e me acusando de ter tirado pausas irregulares pra descansar.
10. A família Herz é inteira muito mal educada com os funcionários. Tanto o pai, ex–CEO, quanto os filhos, encarregados da atual administração. Já atendi todos e em todas as vezes fui tratado feito lixo.
11. Você que frequenta a livraria, vai perceber que pouquíssimos dos vendedores antigos ainda estão lá. O que acontece é que, como o salário na época deles era mais alto, a empresa preferiu mandar todos embora pra trazer mão de obra mais barata.
12. Colocavam todo dia metas impossíveis de alcançar (coisa de 100 mil em vendas pra cima), pra depois a meta obviamente não ser batida. Nós tínhamos que ouvir, todo dia 20 minutos antes do expediente, o gerente nos culpando por não bater a meta inalcançável.
13. Um funcionário assediava quase todas as vendedoras da loja. Situação foi repassada a gerência que resolveu se omitir de fazer algo, já que o funcionário em questão era totalmente subserviente a gerência e acabou pouco depois inclusive sendo promovido.
14. O antigo gerente da loja começou a ter problemas de saúde devido a toda a pressão da chefia. Como era um gerente mais humano, não queria cumprir as ordens de advertir funcionários por qualquer motivo possível. Da última vez que soube, realocaram o cara pra outra loja.
15. Cheguei na loja no dia que Sérgio Herz prometeu mandar embora com todos os direitos quem colocasse o nome numa lista e tudo que eu vi foram vendedores que estavam há 5 ou mais anos na loja regozijando de alegria. Ser demitido de lá em 2016 era visto como vitória.
16. Cansada de tudo isso, a única funcionária que havia sobrado no RH abandonou o emprego, não aguentava mais ter que lidar com tantas demissões injustas. Por uma semana, a loja não tinha mais ninguém pra realizar as demissões.
17. Em determinado domingo, a loja ficou muito desorganizada pois a demanda do atendimento era alta e a equipe pequena. Herz foi a loja, não gostou do que viu e pediu pra que a subgerente responsável pela loja no dia fosse demitida. Ela saiu chorando copiosamente.
18. Em determinado momento, trocaram o nome do cargo “operador de caixa” pra “auxiliar de vendas”. O motivo foi poder atribuir ao operador qualquer função que quisessem dentro da loja, e de quebra pagar menos, já que um auxiliar não ganha o extra da quebra de caixa.
19. O auxiliar de vendas era cobrado por diversas funções, a cada dia era escalado em um trampo diferente. No fim das contas, em média o auxiliar exercia de 3 a 4 funções no mesmo dia.
20. A sala da segurança ficava do lado da sala da gerência. O boato é que os seguranças eram orientados a buscar nas câmeras irregularidades de determinados funcionários. Proteger as mercadorias teria virado função secundaria, a prioridade era conseguir motivos pra demissões.
21. Preferiam jogar fora os comes e bebes que sobravam de eventos de lançamento do que deixar os funcionários comerem.
22. Um colega me contou que chegou atrasado um dia pois teve que acompanhar a namorada gravida no ultrassom. Não apenas teriam descontado as horas, ainda teriam lhe aplicado uma advertência sob a justificativa de que “esse atestado não conta”.
23. Um colega meu certo dia foi trabalhar muito doente, no sacrifício. Pediu a gerência pra exercer nesse dia uma função menos exaustiva, que não envolvesse atendimento, e colocaram o cara pra subir e descer carrinhos cheios de livros o dia inteiro.
24. A Livraria havia se tornado famosa pelos calotes em editoras. Em meados de 2016, certos ex parceiros de negócios cortaram relações, o que acabou fazendo com que determinados produtos de alta demanda ficassem em falta.
25. Num parêntese pessoal, afirmo que foi com certeza o lugar onde vi mais colegas de trabalho desenvolvendo serias doenças em decorrência da insalubridade do local de trabalho que havia se tornado hostil.
26. Todas as histórias que eu descrevi são da unidade “matriz”, a megaloja da Paulista onde eu trabalhei. Porém, conhecidos nos relatavam historias igualmente absurdas em todas as outras unidades de São Paulo.
27. Certa feita, em uma reunião diária, o gerente da loja disse a todos os funcionários que se as metas não fossem batidas “não vai ser só eu que vou pagar o pato, vocês também vão”, em tom ameaçador.
28. No começo de 2016, instituíram uma regra que determinava que os operadores de caixa não mais poderiam trabalhar sentados, implicando que isso configurava em falta de profissionalismo. As cadeiras nos caixas se tornaram decorativas.
29. Minha primeira advertência verbal foi porque, no chão de loja, um gerente viu o realce do celular no bolso da minha bermuda. Quando argumentei que eu nem ao menos cheguei a tirar o aparelho do bolso, a resposta foi que não tem porque eu estar com ele se eu não posso usar.
30. O gerente, culpando os vendedores pelas baixas vendas, disse que a loja ia mal pois nós não atendíamos mais com um sorriso no rosto, com o “jeito Cultura de ser”. Difícil atender feliz estando sobrecarregado e atendendo até 5 clientes simultaneamente.
31. Em momento algum foi de nosso conhecimento como a comissão funcionava, quais métricas eram calculadas. O valor parecia arbitrário. Tudo que sabíamos era que, se a loja não batesse a meta do mês, ninguém ganhava nada de comissão.
32. Em uma época de promoções, a empresa intensificou as regras de conduta pra ter motivo pra aplicar medida disciplinar nos funcionários, tornando-os inelegíveis pra promoção. Dobrar a manga da camisa passou a ser motivo de medida disciplinar.
33. Soube a época de 5 funcionários que entraram na justiça contra a Livraria enquanto ainda trabalhavam lá. Essas pessoas eram em geral mal vistas e perseguidas pela administração da loja.
34. Eu levava uma hora e 20 minutos no trajeto Diadema/SP, mas a empresa traçou uma nova rota mais barata, na qual eu levaria 3h no trajeto casa/trabalho. Sairia de casa as 11h pra voltar a 1h da manhã. Pra mim foi a gota d’água.
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Início Flagrantes Delitos Não preciso
Não preciso
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11/05/2019
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Em um bar na frente de uma universidade, um viado bacana estava numa mesa com outros viados e não viados num papo legal sobre preconceitos e desejos. E lá estava um viado insuportável, metido a ser muito em tudo, descolado, drogado, intelectual… Esse aí virou pro outro, que era mais pobre, mais simples, menos acadêmico e pergunta se ele já leu Foucault. O outro respondeu: “Não preciso ler Foucault para dar o cú”. Passa Palavra
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Início Pensar Ideias & Debates Classe / identidades
Classe / identidades
https://passapalavra.info/2019/03/125676
Hoje, quando se trata de começar, a partir do seu nível mais baixo, um novo ciclo de lutas, é indispensável distinguir a política de classe e a política de identidades, sem supor que uma possa aliar-se à outra.
20/03/2019
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Por João Bernardo
A classe trabalhadora pode ser definida no plano económico ou no plano sociológico. É indispensável não confundir estes dois planos.
Eu defino o tempo como a substância do capitalismo, porque a mais-valia, ou seja, o processo de exploração, ocorre no tempo e resulta de contradições operadas no tempo. Aqueles que controlam o seu próprio tempo de trabalho, ou participam nesse controle, e simultaneamente controlam o tempo de trabalho alheio constituem as classes exploradoras (burgueses e gestores). Aqueles que não controlam o seu próprio tempo de trabalho nem o tempo de trabalho alheio constituem a classe trabalhadora. Aqueles que controlam o seu tempo de trabalho e não controlam o tempo de trabalho de mais ninguém são exteriores ao modo de produção capitalista, com o qual se relacionam apenas através do mercado (artistas, artesãos individuais e o que resta das velhas profissões liberais).
Neste plano económico a classe trabalhadora tem uma existência permanente e verificável. A Gestão dos Recursos Humanos está no centro das preocupações de qualquer patrão ou administrador, e falar de «recursos humanos» é simplesmente um eufemismo para não dizer «classe trabalhadora».
Quem ler as análises publicadas pelos teóricos e pelos técnicos do capitalismo sobre os sistemas de produção e os desafios colocados à administração de empresa depara inevitavelmente com a classe trabalhadora. Nenhum estudo económico pode ser feito sem a ter em conta. Os conflitos que ocorrem nas relações de trabalho, desde os mais passivos e individuais até aos mais activos e colectivos visam, ou pelo menos têm como efeito, perturbar ou interromper o fluxo do tempo de trabalho. E as técnicas de administração visam, no fundamental, evitar ou antecipar as insatisfações e os movimentos reivindicativos, de modo que o tempo de trabalho possa fluir sem interrupções. É este o antagonismo interno que se verifica no tempo enquanto substância do capitalismo, e é neste plano que a classe trabalhadora manifesta permanentemente a sua existência.
No plano sociológico, porém, a classe trabalhadora nunca conseguiu ter uma existência permanente. Os trabalhadores só tomam consciência da sua realidade enquanto classe quando enfrentam activamente a globalidade dos capitalistas. Só neste confronto a classe trabalhadora pode existir no plano sociológico.
Em 1846-1848 a classe trabalhadora assumiu uma existência sociológica no âmbito europeu, desde as ilhas britânicas até ao sul da Itália, desde Portugal até à Polónia repartida. A classe trabalhadora voltou a assumir uma existência sociológica num âmbito mais vasto, incluindo toda a Europa e os Estados Unidos, desde os anos finais da primeira guerra mundial até ao início da década de 1920. Mais recentemente, e já num âmbito mundial, a classe trabalhadora assumiu de novo uma existência sociológica desde a década de 1960 até à década de 1980. Poucos sabem hoje, ou desejam recordar, mas foi então que nós estivemos à beira de vencer, como escrevi em «Epílogo e prefácio (um testemunho presencial)».
Nessa época o capitalismo estava enleado na última das suas crises económicas estruturais, e a unificação internacional da classe trabalhadora no plano sociológico parecia tornar iminente a conversão dessa crise estrutural numa crise terminal. Mas a situação inverteu-se, e nas últimas décadas um capitalismo globalizado manipula sem grandes dificuldades os trabalhadores fragmentados e dispersos. «O capitalismo pressupõe a produção de especialistas e a balcanização do conhecimento», salientou Paul Morrison; «a eliminação ou demonização de qualquer perspectiva global pode apenas servir os interesses de uma ordem económica que ela própria se define pelo globalismo» (The Poetics of Fascism. Ezra Pound, T. S. Eliot, Paul de Man. Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press, 1996, pág. 14). Hoje a classe trabalhadora não existe no plano sociológico.
A hegemonia adquirida pelos identitarismos no plano sociológico e ideológico é a expressão directa do desaparecimento da classe trabalhadora nesse plano. Esta hegemonia é tão completa que a esquerda — ou aquilo a que a desnaturação do vocabulário continua a chamar esquerda — apresenta os trabalhadores como uma outra identidade, que eventualmente se pode acoplar às demais. O desaparecimento sociológico e ideológico dos trabalhadores enquanto classe e a sua inserção no xadrez das identidades representa a maior vitória do identitarismo.
A afirmação de identidades reproduz todos os vícios do nacionalismo. Tal como Paul Valéry preveniu em 1931, numa época em que os nacionalismos se tornavam deveras ameaçadores, «A História é o produto mais perigoso que a química do cérebro elaborou. As suas propriedades são bem conhecidas. Faz sonhar, embriaga os povos, gera-lhes falsas memórias, exagera-lhes os reflexos, nutre-lhes as velhas mágoas, atormenta-os no repouso, condu-los ao delírio das grandezas ou ao da perseguição e torna as nações amargas, arrogantes, insuportáveis e vaidosas» (Regards sur le Monde Actuel et autres Essais. Paris: Gallimard, 1945, pág. 27). Tudo isto se pode hoje dizer acerca do identitarismo.
Mas os nacionalismos, pelo menos, referiam-se a fronteiras fixas, enquanto as identidades, reais ou presumidas, projectam a sua histeria em horizontes indefinidos, já que se reivindicam de limites fluidos, sobreponíveis e, aliás, subjectivos. E assim como o nacionalismo assumiu as formas mais extremas — e também mais delirantes — no racismo, em que numa dança de roda se passava dos aspectos culturais para os biológicos e dos biológicos para os culturais, também os identitarismos fazem o mesmo, tanto os de género como os de cor de pele ou de sexo ou de qualquer outra coisa. Há já muitos anos eu mostrei que a oscilação entre biologia e cultura no nacional-socialismo tem uma estreita afinidade com idêntica oscilação característica da forma moderna de feminismo. O mesmo se deve dizer de um movimento negro capaz de defender que «Miscigenação também é genocídio» e que invoca os fenótipos com o mesmo afã com que os invocaram os cultores das raças. Os identitarismos reproduzem não só as formas mais perversas do nacionalismo, mas também a forma mais perversa dos fascismos, o racismo nacional-socialista.
Todavia, o aspecto principal que as novas identidades têm em comum com o velho nacionalismo é o carácter supraclassista. Enquanto que a afirmação da classe trabalhadora no plano sociológico rompe, ou visa romper, a sociedade horizontalmente, marcando com clareza a clivagem entre os que produzem mais-valia e os que se apropriam dela, o nacionalismo e o identitarismo reúnem trabalhadores e capitalistas em torno de um mito comum, ou geográfico ou cultural e biológico.
Ora, qualquer forma de união entre exploradores e explorados tem como efeito imediato consolidar o processo de exploração. A história mostrou-o abundantemente no caso dos nacionalismos. No caso dos identitarismos verificamos o mesmo resultado com a política de cotas, que mobiliza massas de pessoas de uma dada identidade, ou presumida identidade, para promover a ascensão social de um número reduzido dessas pessoas, convertendo-as em nova elite ou inserindo-as na elite já existente. Assim como a expansão territorial obtida por meios militares era o resultado lógico dos nacionalismos, a promoção de elites graças à política de cotas é o resultado lógico dos identitarismos.
É certo que na vida corrente as coisas aparecem confusas, nos conflitos do dia-a-dia, na convivência das cervejarias. Quem se limite a viver no meio da confusão não sabe desembaraçar-se das dificuldades. Mas a função da ciência, e do seu equivalente na política, é precisamente a de simplificar e cortar a direito. O problema é que hoje praticamente só existem dois tipos de marxismo: o marxismo pré-galilaico e o marxismo esponja.
Quanto ao primeiro, tal como os opositores de Galileo se recusavam a espreitar pela luneta para ver os satélites de Júpiter e continuavam fiéis à cosmografia grega, também estes marxistas se recusam a ver as estatísticas e bastam-lhes os textos do mestre. Desapareceram assim do reino dos vivos e foram para o museu das múmias.
O marxismo esponja, por seu lado, absorve tudo aquilo que as marés lhe trazem. A operação vocabular é simples, colando-se o adjectivo «marxista» a qualquer tipo de identitarismo. A operação política é mais complicada, porém, e tem os mesmos efeitos que teve, entre as duas guerras mundiais, a colagem do marxismo aos nacionalismos, que por um lado precipitou massas trabalhadoras em apoio ao fascismo, e por outro lado apressou a degenerescência extrema do marxismo que foi o stalinismo.
Hoje, quando se trata de começar, a partir do seu nível mais baixo, um novo ciclo de lutas, é indispensável distinguir a política de classe e a política de identidades, sem supor que uma possa aliar-se à outra.
O artigo foi ilustrado com máscaras da coleção do Museu Nacional de Etnologia (Portugal).
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2019-05-14T09:10:04Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Destaques Perseguição na Livraria Cultura em Olinda
Perseguição na Livraria Cultura em Olinda
https://passapalavra.info/2019/05/126386/
Um amigo chegou a dizer, emocionado ao chegar em uma das lindas lojas, que parecia um império. E é, a seu modo, e como todo império, sobrevive a custa do suor e da dor dos seus.
02/05/2019
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Por Olindo do Rato
Filho de Olinda e com a ausência de livrarias na cidade tive a oportunidade de acompanhar a abertura da primeira loja da Livraria Cultura em Pernambuco, no bairro do Recife Antigo, ainda na adolescência, em 2004. Quando cheguei aos 18 passei a deixar pelo menos um currículo por mês. Foram quatro entrevistas em alguns anos até conseguir entrar na loja recém inaugurada no Shopping RioMar. Era março de 2013 e enfim um antigo sonho se realizava. Infelizmente.
Logo no primeiro ano fui escolhido para ser “representante de loja”, o que me deixava responsável pela livraria na ausência dos gerentes. Isso possibilitou uma troca maior com outros funcionários, inclusive de outras lojas. Acompanhei a situação da demissão em massa ocorrida na loja de Curitiba. Quando vi o email intui que nossa chefia não deixaria barato. Não deixou. Naquele mesmo dia 18 pessoas foram demitidas, salvo engano, duas delas trabalhavam comigo em Recife, a milhares de quilômetros da loja de Curitiba, e apenas o fato de terem respondido o email mostrando solidariedade com a colega de trabalho lhes custaram o emprego.
A função de representante de loja não aumentava nem um real no meu salário, mas me dava a dinamica de “flutuar” entre as sessões, lendo um pouco de quase tudo. Teve aquele mês que me colocaram na sessão de livros de direito. Não deu outra, curioso que era passei a ler sobre leis trabalhistas e vi que apesar das lojas serem lindas tinha muita coisa errada: acúmulo de funções, não pagamento de horas extras e o famigerado banco de horas.
Na ocasião tínhamos uma por semana e um domingo de folga a cada três trabalhados. Comecei a perceber a partir daí algumas irregularidades e a trazer essas questões para as reuniões com os gerentes e equipe. Segundo o Sindicato dos Comerciários a cada dois domingos trabalhados o terceiro deveria ser de folga e era muito comum trabalharmos o primeiro domingo do mês e folgarmos só no último domingo do mês seguinte, somando seis domingos trabalhados seguidamente. Os gerentes na ocasião, Cássio Renovato e Carlos Dantas, defendendo os interesses exclusivos da empresa, não gostaram das minhas perguntas e passaram a efetuar uma onda de ataques pessoais a mim e a todos e todas colegas de trabalho que tinham alguma relação próxima comigo. Alguns permaneceram ao meu lado, outros não. Cada um faz suas escolhas para não passar fome.
Na loja, entupida de câmeras de segurança, apenas uma sala era livre de fiscalização: a sala do RH. Lá, por repetidas e incontáveis vezes, Cássio e Carlos me chamavam e na segurança de que não seriam denunciados me diminuíam enquanto trabalhador e ser humano e verbalizavam com todas as letras que fariam da minha vida um inferno até que eu pedisse demissão, que me fariam sair da livraria sem nenhum dos meus direitos, sob a acusação de que eu queria tumultuar o ambiente de trabalho e que se não estava satisfeito deveria sair.
Pelo menos uma vez por semana era chamado nessa sala e passei a entrar com o gravador do celular ligado. Uma vez quiseram me dar uma advertência escrita porque voltei atrasado da hora do almoço por 10 minutos. Qualquer advertência fazia com que o funcionário em questão perdesse o direito a comissão do respectivo mês. Me recusei a assinar e eles me ameaçaram com outra advertência. Me limitei a dizer que seria apenas gasto de papel e tinta, que não assinaria igual, o que os deixou furiosos.
Na livraria eu organizava o Clube de Leitura, uma parceria com a Companhia das Letras. Pelo menos uma vez por ano a Companhia organizava um encontro com os organizadores do Clube num grande encontro que acontecia em São Paulo, com passagem e estadia pagos pela editora. Porém Cássio, o primeiro gerente, entrou em contato com a Companhia para dizer que eu não iria porque minha presença era necessária na loja. Minha passagem de ida e volta, que já havia sido comprada pela Companhia das Letras, foram canceladas. Pessoalmente ele me lembrou que faria da minha vida um inferno e que se eu não pedisse demissão as coisas só iriam piorar para o meu lado.
As constantes ameaças, perseguição e assédio me fizeram procurar uma advogada que me aconselhou juridicamente, e com seu auxílio enviei um e-mail para Sérgio Herz, presidente e herdeiro da Livraria Cultura, relatando as violências cada vez mais corriqueiras. Logo em seguida entrei com uma ação judicial contra a livraria.
Nos últimos meses de trabalho desenvolvi crise do pânico e ansiedade. Não tinha paz ou qualquer tipo de contentamento dentro daquele lugar, apesar das lojas serem lindas. Tinha pesadelos em que me encontrava na sala do RH e era espancado por Cássio e Carlos. Comecei a fazer terapia e fui diagnosticado com depressão.
Duas semanas depois do meu e-mail o coordenador dos gerentes de toda a rede veio pessoalmente conversar com Cássio e disse que ele teria que demitir Carlos, seu subgerente e amigo. Logo em seguida o próprio Cássio foi demitido. Os dois foram levados pelos seguranças para fora da loja pela porta dos fundos. Porém nenhuma ação de reparação aos danos causados foram feitos e fui demitido por “justa causa”.
Na justiça se provou o que Sérgio Herz verbalizava em cada reunião que participava: que os seus contatos com juízes e sindicatos garantiriam o ganho para a empresa. Três anos de processo na justiça do trabalho (que deveria ser chamada de justiça do patrão) deram ganho de causa para a livraria, desconsiderando testemunhos e laudo médico comprovando os danos causados a minha saúde mental. Sai como Cássio e Carlos sempre falaram que eu sairia: com uma mão na frente e a outra atrás.
A cultura da livraria, apesar das lindas lojas, é a exploração dos seus trabalhadores e assédio moral. Um amigo chegou a dizer, emocionado ao chegar em uma das lindas lojas, que parecia um império. E é, a seu modo, e como todo império, sobrevive a custa do suor e da dor dos seus. Se é um império então que siga o exemplo dos outros que o antecederam e que encontre sua ruína, não ficando pedra sobre pedra.
2019-05-14T08:54:34Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Achados & Perdidos Trabalhadora de loja de shopping
Trabalhadora de loja de shopping
https://passapalavra.info/2019/04/126378/
Isso cria um ambiente escroto onde todo mundo passa a perna em todo mundo, ninguém é amigo de ninguém e geral te esfaqueia pelas costas. Quando cliente reservava peça e vinha buscar no horário que a pessoa que lhe atendeu não estava, minha nossa senhora. Era dedo no cu e gritaria.
29/04/2019
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Por Débora Nisenbaum
Esse Achado & Perdido faz parte do dossiê “Causos de trabalho”: uma seleção, feita pelo Passa Palavra, de threads relatando o cotidiano e curiosidades de diferentes trabalhadores.
Todo mundo [está] muito surpreso com as paradas da Livraria Cultura só porque o consumidor médio de lá nunca trabalhou no varejo. O varejo é um inferno e vou contar aqui alguns episódios de trabalhar em loja, não são nem de longe os mais escabrosos que já ouvi.
Fui procurar meu primeiro emprego aos 18 anos, tive esse privilégio. Como não tinha experiência nenhuma, fui pro shopping e saí entregando currículo. Consegui emprego numa loja de roupas caras, dessas que vende casaco de pele (vendia, na época) e as brusinha (2010) custavam R$ 150. Eles aceitam qualquer pessoa mesmo sem saber se você é bom com [atendimento ao] público, se você atende bem, etc. Não porque eles fornecem treinamento, mas porque a rotatividade é alta o suficiente pra um funcionário ruim em piso de loja não machucar o lucro.
Bom, comecei meu trampo e tudo ali me parecia contraintuitivo, começando pela comissão individual e o sistema de “vez”. Pra quem não sabe, em 90% do varejo, quando você entra na loja alguém está “na vez”. É a vez dessa pessoa de atender. Se você não leva nada, ela perde a vez.
E tem regras esdrúxulas tipo: se ela [o cliente] só perguntar de um item, mas não mexer em nada, você não perde a vez e pode atender o próximo cliente. Foi pro banheiro? Perdeu a vez. O cliente passou 15 segundos na loja, mas mexeu numa jaqueta? Perdeu a vez. Numa segunda-feira quando entram 10 pessoas na loja o dia inteiro, cada vez é sua chance de bater sua meta diária.
É, tem meta individual diária e [meta] mensal de venda. Isso cria um ambiente escroto onde todo mundo passa a perna em todo mundo, ninguém é amigo de ninguém e geral te esfaqueia pelas costas. Quando cliente reservava peça e vinha buscar no horário que a pessoa que lhe atendeu não estava, minha nossa senhora. Era dedo no cu e gritaria. Cansei de ver vendedor escondendo peça pro outro não roubar venda. Rolava briga feia.
Ah, o esquema de trabalho era 6×1. Trabalha 6 dias, folga 1. Dois domingos por mês de folga. Não existia folga de sábado. Simplesmente não existia. Era o dia mais cheio e todo mundo queria estar na loja pra vender e bater meta. Sábado tinha meta de 10 mil por pessoa.
O salário era o mínimo da época (uns 700 conto) + 3% do que você vendeu. Ah, e só recebia comissão SE vendesse acima de R$ 20 mil. Vendeu R$ 21 mil? Parabéns, ganhou comissão. Vendeu R$ 19 mil? Sinto muito. As metas geralmente eram R$ 40 mil, por aí.
Ou seja, você ficou lá, trabalhou o mesmo tanto de horas [dos demais trabalhadores]. Mas às vezes tu não tem o conhecimento de um vendedor mais experiente, não tem cliente habitué, só pegou uns caroços o mês inteiro, geral passava a perna em você na loja, se fodeu. Trabalhou igual? Sim. Mas ganhou menos.
Nessa loja em particular os gerentes faziam a gente comprar as roupas pra usar como uniforme, o que é crime. A gente tinha 40% de desconto de funcionário e eles tratavam isso como um puta favor que a loja estava fazendo por nós. Porque né, você tem que usar as roupas da marca pro cliente achar bonito e querer comprar também. E se não estava usando pelo menos uma peça da loja, era bronca. Agora lembra que as brusinha custava 150 conto? E a gente ganhava R$ 700 sem comissão? Vê se cabe no orçamento isso. E tome na orelha dos gerentes por vir com roupa “de fora”.
Um belo dia o estoquista pediu demissão e obviamente nas semanas seguintes a loja começou a virar um caos. Pilhas desarrumadas pelo estoque, ninguém achava tamanho de merda nenhuma, geral pisando em saco de roupa no estoque pra conseguir entrar lá. Minha gerente teve a brilhante ideia de mandar todo mundo passar a madrugada inteira arrumando o estoque. Detalhe: tinha nem banco de horas. Não recebíamos hora extra. Não deram folga pra compensar nem nada. O povo ficou lá até duas da manhã e eu fui pro sossego do meu lar. Falei pra minha gerente:
Maria, faz as contas comigo. Esse mês a gente vendeu mais de R$ 200 mil pra essa marca. Tira os nossos salários, ainda sobra mais de R$ 180 mil. Tu acha MERMO que o dono dessa merda não tem 750 conto pra pagar um estoquista? Ele tá pouco se fodendo pra você, pra mim, pra todo mundo. Se tu vai ter que dormir na loja porque o metro já fechou e a linha que chega na tua casa não tem noturno, ele está POUCO SE FODENDO de dentro do Porsche dele. Deixa essa merda explodir e vir a supervisão aqui na loja, aí tu pede pela vigésima vez um estoquista.
18 anos, mas consciência de classe sempre tive (risos).
Não adiantou nada, geral ficou, eu me retirei porque ameacei processar ela e a marca de me segurar lá depois das 22:30. Teve também o sábado em que a loja FERVEU. Sério, ferveu e cada vendedor atendendo umas 3 pessoas diferentes. Aí quando foi embora aquele rebuliço, vimos que 2 peças tinham sumido da arara de catálogo (onde ficavam as peças mais caras da coleção). Dois coletes de pele de coelho, R$700 cada um. A gerente veio soltando fogo pelas ventas pra cima de todos nós. Berrando mermo:
— Como que vocês deixam isso acontecer? Vocês não são pagos pra isso!
— Ué, mas era pra ter tocado o alarme da peça, é impossível tirar.
— O alarme tá desligado.
— Então pede pra ver a filmagem de segurança.
— As câmeras são de mentira.
Queria descontar do nosso salário. Eu a mandei tentar. Porque eu entrava com processo. A loja cagando pro sistema de segurança, tudo desativado ou de mentira, mas a culpa e os berros e o abuso moral vinham pra cima dos fodidos que estavam ajudando a dondoca a escolher calça jeans enquanto outra dondoca roubou a peça…
Ah, esqueci de falar dos benefícios! Como todo mundo sabe, vale-transporte desconta do salário. E nosso vale refeição era de 40 quarenta – Q U A R E N T A – reais por mês. Não dava nem pra comprar uma coxinha por dia.
Vou nem comentar quantas vezes eu fui assediada em horário de trabalho e meus gerentes fizeram nada pra me ajudar ou me defender, mas tinha cliente que eu via chegando e me escondia no estoque até ir embora. Perdia vez, perdia venda, perdia tudo, mas não conseguia passar pela humilhação.
Daniel Matos lembrou uma parada importante: era trabalhar o dia inteirinho em pé. Não pode sentar. Não pode encostar no balcão. NADA. Eu que sempre tive problema de microvarizes às vezes ia pro banheiro pra ficar 10 minutos sentada.
O discurso meritocracia reinava o tempo todo. Se não batia meta era porque não se esforçava. Se PV não era 5 é porque não se esforçava. Se não queria fazer hora extra de graça pra bater meta era porque não se esforçava. Se faltava funcionário e estava tudo uma zona era porque não se esforçava.
Os gerentes diziam que DAVAM A OPORTUNIDADE de a gente trabalhar fora do horário pra bater meta. E veja, eram pessoas simples. Gente nova, gente que o sonho era fazer uma faculdade. Esse discurso idiota vinha todo de cima, era vendido um sonho impossível e a galera comprava.
Porque se um dia você se esforçar o suficiente, pode alcançar a gerência e aí sim, ganhar 2 [mil] conto e levar na orelha não de um gerente, mas sim de um supervisor… Fiquei 6 meses nessa loja e me arrependo demais de não ter entrado com processo trabalhista.
Não bastasse trabalhar pra empresário babaca encher o cu de dinheiro, tinha cliente babaca que chegava com peça de dois anos atrás querendo trocar e ainda ficava puto que não podia. Gente que vinha trocar peça de 1500 reais obviamente roubada… Era foda.
Sei lá, espero que quem leia isso aqui pense trinta vezes antes de ser grosso com um trabalhador do varejo. Se lembrar de mais absurdos eu posto depois.
Ah, eu acho importante ressaltar que eu fiquei 6 meses lá e, assim, tem MUITA coisa pior rolando no mercado de trabalho, tá? A galera do telemarketing se fode MUITO mais. Sei que é um saco, mas sejam no mínimo simpáticos com a galera, não é culpa deles que eles tem que te vender cartão.
Às vezes a gente está aqui no conforto do nosso lar recebendo ligação de alguém que passa o dia todo num cubículo ligando pra estranhos, ouvindo merda pra ganhar um salário de bosta. Todo mundo está lutando uma batalha que você não conhece, e com a precarização do trabalho SÓ VAI PIORAR!
2019-05-14T08:53:58Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Movimentos em Luta 22 de abril 2019 Carta de Ola Bini
22 de abril 2019 [Mundo] Carta de Ola Bini
https://passapalavra.info/2019/04/126218/
"Tenho certeza que sairei livre"
22/04/2019
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Por Ola Bini
Publicada originalmente no freeolabini.org
1. Primeiro quero agradecer a todos e todas que têm me apoiado. Me foi dito sobre a atenção que o caso recebeu no mundo e agradecer é o mínimo que posso fazer. A meus amigos e amigas, família e pessoas que estão perto todo meu amor, estou pensando muito em vocês.
2. Eu creio fortemente no direito a privacidade, sem privacidade não podemos ter liberdade, sem privacidade somos escravos. Por isso tenho dedicado minha vida a essa luta. A vigilância é uma ameaça a todos nós, temos que pará-la.
3. Os líderes do mundo estão lutando uma guerra contra o conhecimento. O caso contra mim é baseado em todos os livros que tenho lido e a tecnologia que tenho. Isso seria um crime de pensamento “criminal” na obra de Orwell. Não podemos deixar que isso passe. O mundo vai nos encurralar mais e mais, até que não tenhamos nada. Se o Equador pode fazer isso, outros governos também farão. Temos que parar essa ideia agora, antes que seja tarde mais.
4. Tenho a confiança que sairei, é óbvio que não tem fundamento que sustente esse caso e logo será derrubado.
5. Não posso deixar de comentar sobre o sistema penal do Equador. Eu tenho as melhores circunstâncias e ainda assim é desprezível. Tem que haver sérias mudanças. Penso muito nos outros presos do Equador.
2019-05-14T08:53:27Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Noticiar Movimentos em Luta 27 de março de 2019 Estudantes da EE Gracinda de Lourdes...
27 de março de 2019 [GO] Estudantes da EE Gracinda de Lourdes contra a repressão na escola
https://passapalavra.info/2019/03/125776/
Estudantes de Escola Estadual em Goiânia se reuniram na porta da escola em protesto contra as EXAGERADAS proibições da gestão da escola.
27/03/2019
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Por Estudantes da EE Gracinda de Lourdes
Estudantes de Escola Estadual em Goiânia se reuniram na porta da escola em protesto contra as EXAGERADAS proibições da gestão da escola. Proibidos de utilizarem o celular em qualquer momento dentro da escola; ter no uniforme calça jeans SOMENTE azul; proibidos de saírem das salas em qualquer momento que não seja o SEGUNDO e QUINTO horário. Essas proibições aumentam e muito a tensão dentro da escola além de constantes furtos que aconteceram recentemente sem solução nenhuma. A escola deve ser um local agradável e de formação; mas vivemos reprimidos por qualquer motivo!! Queremos ser ouvidos! Escola não é prisão!!!!!
2019-05-14T08:52:27Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Pensar Ideias & Debates Contra o corporativismo masculino branco
Contra o corporativismo masculino branco
https://passapalavra.info/2019/04/126231/
Talvez a melhor virtude seja a capacidade de dar potência e vida a espaços de organização, sem que se venha a ocupar neles uma centralidade personalista.
25/04/2019
1201
Por Aparentemente um homem
Identifico como o grande problema da hegemonia identitarista o seu aspecto corporativo. E isso é muito, pois o que vemos é a regressão das ideias políticas a uma defesa quase feudal de nichos populacionais supraclassistas. Uma verdadeira tática de mobilização coletiva dentro do quadro de guerra de todos contra todos, com toda a tragédia latente que isso historicamente significou.
Pois bem, muito tem sido discutido e criticado dentro do campo identitário, como uma reação saudável e não por isso menos violenta ao surgimento de novas expressões de velhas ideias. Tanto os atores políticos que se sentem alheios às políticas identitárias, como aqueles imersos num ambiente fortemente associado às identidades, mas críticos de suas tendências liberais ou nacionalistas, têm realizado esforços duros e desgastantes para criticar, denunciar e marcar diferenças. Isso é bom, pois o conflito é produtivo na política. Mas como nas contradições, existem saídas boas e saídas más.
É importante avançar rápido sobre certas questões. A organização social de mulheres e dissidências sexuais, de negros e negras, e de qualquer outro setor social que hoje encontra chão comum para associar-se e realizar lutas coletivas, é não apenas importante mas essencial para o avanço da luta de classes. Estamos falando de setores que são estruturalmente explorados nas piores condições dentro do capitalismo brasileiro, em consonância com o que ocorre na maior parte do planeta. E não é apenas isso. Os problemas que estes setores enfrentam para levar adiante suas lutas não diferem essencialmente dos problemas históricos do movimento proletário: a dificuldade de mobilização das bases, o problema da transformação de líderes em especialistas, a absorção de pautas e aparelhos pelas estruturas do Estado, a política como método de ascensão social de proletárixs que ingressam na classe gestora.OLYMPUS DIGITAL CAMERA
Tendo isso tudo claro, desistir ou ignorar as lutas não é uma opção. Não se trata de escolher as melhores lutas, mas sim de poder entender a relação entre os conteúdos e as formas de luta, bem como as ideologias a elas associadas.
O corporativismo identitário promove uma igualação de todas as posições a respeito das mulheres, de todas as posições a respeito dxs negrxs, etc, sob os conceitos próprios de cada identidade. Qualquer crítica à uma posição política a respeito das mulheres pode ser acusada de machista, estejamos, por exemplo, contra ou a favor de encarar as prostitutas como trabalhadoras. Qualquer crítica à uma posição política do movimento negro pode ser encarada como racista, estejamos, por exemplo, contra ou a favor da exclusividade dos turbantes. Pois o discurso identitário reivindica para si todo o espectro político, à direita e à esquerda, e é contrário a bandeiras que possam a dividir suas bases sociais.
Mas a solução para isso não é somar palavras, como se o discurso tivesse efeitos mágicos de transformar “feminismo” em “anticapitalista” por adição. Nem isso é desejável, pois é saudável que se trate de duas coisas diferentes e com lógicas particulares (históricas) de se relacionar. De fato, é negativa certa estratégia de colocar “patriarcado” e “capitalismo” como problemas análogos e de igual importância, pois no afã de ressaltar a importância da militância feminista e fazer a crítica ao marxismo ortodoxo, perde-se a especificidade de cada questão, como se fossem simplesmente duas frentes de batalha de uma série quase interminável de semelhanças (racismo, especismo, capacitismo, capitalismo, etc.)
Mas se a luta é contra o corporativismo, também devemos encarar o corporativismo masculino branco. Para combatê-lo o primeiro passo é não disfarçar a crítica com culpa masculina, que é a saída dos subjugáveis ou dos cínicos. Também não devemos entender o problema de forma terceiro-mundista, como se a identidade branca masculina explorasse as demais identidades. Tampouco confundir corporativismo masculino branco com supremacismo branco. Estes últimos reivindicam abertamente posições políticas sofisticadas, incluindo a noção de Estado Étnico, uma sociedade abertamente conservadora, enfim, não se limitam a reclamar por direitos setoriais ou obter lugares de representatividade institucional. Este fenômeno é extremamente preocupante e está em alguma medida relacionado com o corporativismo branco masculino, mas é um desenvolvimento muito mais político e ideológico, que ultrapassa o que quero tratar aqui.
O segundo passo para combater o corporativismo masculino branco é entender que ele é muito mais sutil do que uma posição política. Afinal, é o que vínhamos expondo como modus operandi de outros corporativismos, isto é, a indefinição das posições políticas como fundamento. Então é necessário definir as posições políticas por detrás de uma crítica, para poder não cair em uma defesa corporativa como as mencionadas anteriormente.
Então, como homens brancos, nos dirigem uma crítica política ou identitária? Esta última parte da própria lógica corporativa, então ela não é capaz de criticar o corporativismo masculino branco. Uma crítica política feita a uma prática ou discurso, ela sim tem a capacidade de ir a fundo na denúncia de um corporativismo masculino branco.
Mas então caímos em uma armadilha. O poder de definir o que é e o que não é uma crítica política é moeda corrente nas formas de exercer poderes em grupos e coletivos, e está especialmente associado a homens brancos. Um desentendimento entre companheiras é “uma briga pessoal” que atrapalha a organização, a necessidade de dar tempo e espaço para escutar outras vozes é “perda de tempo”, os grandes temas nacionais e globais urgem enquanto que os vínculos humanos são substituíveis. Enfim, prima a selvageria das pequenas lideranças.
Não é por acaso que muitos grupos “políticos” são formados quase inteiramente por homens brancos, assíduos em reuniões e prolíficos em discursos. E vejam bem, não será um pouco a essa imagem e semelhança que se estruturam tantos coletivos identitários, com seus e suas militantes mais ativas habitando reunião atrás de reunião, dando discursos firmes e demostrando sem lugar a dúvidas a necessidade de tal ou qual ação?
Não quero passar por cima da necessária crítica ideológica. E acredito que a esta altura estamos bem fornidos de críticas internas às ideologias hegemônicas feministas e africanistas – críticas que existem há muitos anos. Mas estas críticas nunca serão suficientes. Entendo que muitxs militantes podem se sentir atraídxs por certa autoimagem oferecida por tais ideologias, assim como um homem branco pode sentir-se mais importante, ou com mais sentido em sua vida, ao carregar uma bandeira vermelha e negra em uma manifestação, ao vencer uma discussão sobre os meandros da revolução russa (ao citar autoras feministas, ao escutar rap nacional, etc). No entanto, o verdadeiro campo de batalha contra estas formas ideológicas está no âmbito das práticas.
Enquanto homens brancos, podemos ter as melhores intenções do mundo. Mas é necessário mais do que intenções. Um espaço onde as vozes treinadas por instituições de ensino e pela cultura patriarcal têm mais tempo, mais valor, tendencialmente se torna um espaço fértil para o domínio de homens brancos. E isso é ruim por dois motivos: em primeiro lugar, xs companheirxs não-homens e não-brancos mais inteligentes rapidamente abandonarão este espaço para não perder seu tempo precioso. Em segundo lugar, porque estas vozes treinadas não necessariamente expressam as melhores qualidades de liderança, não necessariamente trazem um conteúdo mais rico e mais importante para o coletivo. Uma liderança se constrói por respeito e referência, por meio do exemplo prático ou pela capacidade de propor soluções, entre outras qualidades, e não por truques, insistências e subterfúgios retóricos, como o são a interrupção constante de interlocutorxs, a diminuição retórica de ideias alheias (e seus/suas porta-vozes), a naturalização de falas longas ou da falta de intervenção de companheirxs, a constante explicação de como são as coisas, a definição taxativa e muitas vezes soberba sobre outras posições (e os ataques indiretos a todxs aquelxs que se aproximem delas), etc.
É urgente que possamos ter uma diversidade minimamente próxima à do contexto social em que vivemos não apenas em nossos espaços de organização, mas exercendo funções de liderança nestes mesmos espaços, uma vez que não existem líderes naturais. Afinal, sempre foi esse o norte que guiou práticas como a revocabilidade e a rotação de tarefas e cargos: ou por acaso acreditamos que uma raça ou sexo é imanentemente superior ao outro e por isso se vê justificado que na história do movimento proletário a imensa maioria dos teóricos e das lideranças repete um mesmo padrão? Uma vez mais, as intenções não bastam. Não podemos instituir uma horizontalidade artificial, que tem nas cotas partidárias e parlamentares a sua forma acabada. De fato, a horizontalidade artificial é talvez a melhor expressão da ideologia gestora e o ambiente mais propício para a formação incipiente de hierarquias tecnocráticas. Não apenas os carreiristas se sentem como peixes dentro d’água em espaços artificialmente horizontais, misturando-se com companheiros e companheiras honestas e manipulando por meio das informalidades que já conhecemos, como também reivindicam estes valores no momento em que são questionados por suas práticas escusas. “Não existe chefe” e “a culpa é de todos” são formas muito sofisticadas de escapar de qualquer responsabilidade por atos vis, enquanto que os “princípios políticos” podem ser flexibilizados e moldados de acordo com a ocasião. Por sua vez, esse perfil de especialistas em reuniões, que deu origem inclusive ao termo “burocracia”, se aproveita da dedicação militante de todos e todas aquelas que se sentem confortáveis em “ambientes horizontais”, fenômeno que podemos ver nas formas contemporâneas de exploração desde o toyotismo fabril até os coletivos e start-ups tecnológicos. Trabalhar sem um chefe tradicional pode aumentar e muito a produtividade, seja de operários, seja de militantes.
Agora, a revocabilidade e a rotação de funções são justamente o que combate a cristalização de hierarquias informais e a dependência de companheiros específicos: a imprescindibilidade de tal ou qual camarada sempre aponta a uma deficiência e à potencial personalização de uma organização. Isso quer dizer que o nosso desafio ao combater o corporativismo masculino branco, assim como qualquer outro corporativismo, é dinamizar e circular os saberes, as técnicas e as habilidades necessárias para que qualquer proletárix possa atuar como agitadorx e organizadorx. Isso demanda uma série de capacidades que dificilmente encontraremos em uma só pessoa, e no entanto deveriam ser estimuladas de forma integral para qualquer militante. Habilidades de vinculação social por um lado e formação teórica por outra. Práticas clandestinas por um lado e conhecimentos estatutários por outro. Iniciativa e criatividade por um lado, paciência por outro. Força física por um lado, cuidado emocional por outro.
Infelizmente nossa sociedade estimula os homens brancos a carregar praticamente todas estas habilidades, especialmente as que demandam performances públicas, enquanto que séculos de tradição têm feito, por exemplo, com que mulheres tenham perfis mais recatados, séculos de escravidão têm feito que negros e negras tenham menor treino em situações formais de oratória. A opressão histórica é reproduzida cotidianamente na formação das novas forças de trabalho, podemos ver isso no avanço da formação integral para crianças nascidas no seio da classe gestora (com menor distinção de gênero ou cor de pele) ao tempo em que a formação das crianças da classe trabalhadora parece estar sofrendo um recrudescimento, da mão de militares e de religiosos.
Para combater o corporativismo masculino branco é necessário constantemente fazer um cálculo sem resultado exato: a medida correta para não ocupar demasiado os espaços, sem com isso abandonar os projetos e as propostas. Uma resposta fácil e ressentida a este tipo de situação é abrir mão dos espaços, “que então façam tudo sem mim”. Mas talvez a melhor virtude de qualquer organizadorx é a capacidade de dar potência e vida a espaços de organização, sem que se venha a ocupar neles uma centralidade personalista. Que estes espaços deem frutos e sirvam para formar novos e novas organizadoras, que por sua vez tenham a capacidade de criar novos espaços em outros territórios, por meio de iniciativas próprias, com a capacidade autônoma de fazer análise de conjunturas, de planejar ações, de caracterizar camaradas e outras organizações, escrever materiais, vencer lutas ou perdê-las da melhor forma possível. Acredito que esta é a morte do corporativismo masculino branco.
Ilustram esse artigo imagens do Artista Plástico Elvis da Silva
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2019-05-14T08:51:55Z via Dianara To: Public CC: Followers
Início Pensar Ideias & Debates Dois e-mails sobre fascismo, “maioria silenciosa” conservadora e sátira
Dois e-mails sobre fascismo, “maioria silenciosa” conservadora e sátira
https://passapalavra.info/2019/04/125842/
A sátira tem o botão foda-se quebrado no “on”, e por isto mesmo não é de esquerda ou de direita; pelo contrário, é de quem sacanear primeiro.
04/04/2019
997
Por Fulano e Beltrano
Dois amigos correspondiam-se em torno de temas ligados à onda fascista global, e resolveram compartilhar as reflexões com um público mais amplo.
FULANO
Caro,
estou aqui reunindo material pra ajudar num artigo e pra me ajudar a entender melhor o que o Rancière chama de “o homem democrático” (n’O Ódio à democracia), que é mais complicado que a ascensão do “homem comum” ou do cara tosco, Joselito Sem Noção, com moletão e camisa falsificada do Palmeiras em Brasília, e acabei sendo salvo por aquela sua assinatura no Foreign Affairs, onde não tava liberado pra geral a leitura desse artigo aqui do Jan-Werner Müller.
Esse J-W Müller, um politólogo alemão, liberal, abaixa a bola do que somente na aparência (e como propaganda) seria uma onda nacionalista (Hungria, Turquia, EUA, Índia, Brasil,…) puxando a sardinha pra brasa dele, que é o populismo (seja de esquerda, como o chavismo, seja o de direita). E passa pelo tópico do “homem comum” quando ele fala do discurso de representação do que se considera “the real people” ou a maioria silenciosa — o que tem sido dito da nossa (suposta) maioria cristã e conservadora, anos e anos acuada e constrangida pelos globalismos e progressismos.
Sobre a vitória eleitoral do Bolsonaro, Müller minimiza o apoio social a uma nova ditadura militar, apontando para o sucesso da campanha contra a corrupção das velhas elites políticas, contra o retorno do PT, além do apoio que teria tido do agronegócio, do empresariado industrial e financeiro, e de lideranças evangélicas.
Representando não as maiorias silenciosas, e sim minorias bem barulhentas, “eles não chegam ao poder porque sua ideologia é uma força histórica mundial imparável. Pelo contrário, eles dependem da disposição da centro-direita a colaborar com eles — como foi o caso de Trump, Bolsonaro e dos defensores do Brexit — ou vencem pelo ocultamento de suas intenções, ainda que parcialmente, como foi o caso de Orban”.
Depois de estarem instalados no governo, o que se tem de nacionalismo são pantomimas, “nos bastidores, esses líderes geralmente são bastante complacentes com instituições internacionais e corporações multinacionais. Eles estão menos preocupados em reafirmar genuinamente a autonomia de seus países do que em parecer fazê-lo”. E cita os governos de Trump e Orban.
Achei interessante o que ele diz da mobilização populista do sentimento de falta de respeito que perpassa a largas parcelas da sociedade: “Em toda a Europa e Estados Unidos, jornalistas e analistas afirmam que muitas pessoas — especialmente pessoas brancas mais velhas — sentem-se desrespeitadas pelas elites. É difícil determinar quantas pessoas confrontaram-se diretamente com o desrespeito. Mas praticamente dia e noite — em programas de rádio, programas de notícias na TV e mídias sociais — é dito a milhões de pessoas que elas se sentem desrespeitadas. O que é rotineiramente apresentado como um conflito cultural entre centros rurais alegadamente autênticos e cidades cosmopolitas geralmente envolve uma luta muito menos dramática sobre como as oportunidades são distribuídas através de decisões regulatórias e infra-estruturais: do preço da passagem aérea para vôos para áreas mais remotas ao status dos bancos comunitários, passando pelas políticas que determinam o custo da habitação nas grandes cidades”.
E assim a política (?) vai sendo alimentada de indignação, que é o sentimento furioso de quem se sente desrespeitado… Mas tem outro elemento aí que equilibra muito bem o “ódio” e o “rancor”. O personagem Bolsonaro é zuêro. Fazer arminha, falar de abraço hétero, desfilar de moletão, usar caneta BIC, não é só querer parecer com o seu tio, um cara comum. O elemento do humor não é marginal. Um programa que ajudou a fazer do Bolsonaro um personagem folclórico (ao lado do Clodovil e do Freddy Mercury prateado) foi o CQC, que misturava jornalismo-cidadão, indignação, e comédia rasgada. A ascensão dessa nova extrema-direita brasileira é contemporânea de toda uma nova geração de humoristas, e de uma fila grande de políticos humoristas. E aí aparece outro artigo mais fraquinho, mas interessante (pra esse não precisei de senha), de um jornalista e economista chamado Tej Parikh.
Ucrânia, Eslovênia, Guatemala, Irlanda, Itália… todos têm no governo comediantes profissionais, e em vários outros países surgem candidaturas cômicas. Como o artigo diz, o humor é positivo, e a sátira é uma ferramenta de comunicação inteligente. É por aí que eu vou tentar puxar mais, pois a inteligência do humor é, de um modo geral, anárquica, anti-autoritária. Tem também a derrisão, que é um tipo de humor mais nervoso, mais controlado, associado ao desprezo, ao asco por alguém ou por algum grupo social, que parece mais uma risada por fora com um ódio profundo por dentro, ao contrário daquele riso que se espalha sem freios, mesmo quando o motivo é ridicularizar alguma coisa ou alguém, como a própria pessoa que faz a piada.
De qualquer modo, você vai concordar que existe algo como um viés anti-autoridade que atravessa o movimento social da extrema-direita brasileira e talvez das outras. Nas brigas diárias dentro da reaçolândia não existe respeito a hierarquias, campos e instituições, os que são mais Paulo Guedes que Bolsonaro não têm papas na língua, há os que são mais Mourão e fazem o mesmo com os olavófilos, e por aí vai. É uma contradição já conhecida mas que pode ser desenvolvida: a propaganda de defesa de valores tradicionais (ou nacionais e nacionalistas) não tropeça só por hipocrisia, né? Basta preencher um a um esses valores — infância, família ou pátria — e a gente vê que seus propagandistas não têm autoridade ou credibilidade. Mas deve ser menos hipocrisia/maldade/sordidez e burrice/estupidez que imaturidade democrática, trazendo um pouco aqui o Rancière, que fala de “reino monstruoso da adolescência”. A maldade e a estupidez são figuras muito antigas dos confrontos políticos, muitíssimo antes de comunistas malvados comerem criancinhas e do Lula falar menas laranja. E essa imaturidade no campo da política — que resgata a política mais como luta que como gestão, trazendo o Paulo Arantes — é uma “maturidade” no campo mercantil, de tal modo que pro Rancière o “homem democrático” é o indivíduo consumista, uma atualização do antigo burguês do Manifesto Comunista, que quer fazer de todos os ofícios (juízes, sacerdotes, poetas, médicos, sábios) seus servidores assalariados, na medida em que pode pagar por isso e que paga. A gente pode pensar nessa galera dizendo que tá cagando pra PSL e pra qualquer partido, que votou mesmo é no Bolsonaro. Eles “pagaram” por algumas doses de opressão sobre os bandidos, mas é claro que isso não configura nenhuma fidelidade, eles querem que o produto no qual investiram provoque os efeitos esperados, mas se não provocar, não terão a quem recorrer, a não ser buscar outro produto na prateleira…
BELTRANO
Caro,
A assinatura está aí para isso. Precisando, tamos aí. Gostaria, entretanto, de comentar alguns tópicos de sua mensagem.
O “homem comum”, a “maioria silenciosa”, “the real people” (vou chamar a tudo isto de “cidadão A” para facilitar), tudo isto é uma armadilha política muito comum. O antônimo destas figuras é o especialista político, o cidadão politizado, o “habitué” dos corredores da política, e os próprios políticos de carreira (vou chamar a tudo isto de “cidadão B”). A política, nesta armadilha, orbita entre o “cidadão A” e o “cidadão B”, via de regra com o último pedindo calma e paciência ao primeiro enquanto a política segue o “business as usual”. Aí ou se cai no elitismo ao apoiar o “cidadão B”, ou se cai na “oclocracia” ao apoiar o “cidadão A”. Inversamente, a crítica ao elitismo corre enorme risco de elogio à “oclocracia” (no caso presente, esta “oclocracia” tem tons fascistas), e a crítica à “oclocracia” pode muito facilmente degenerar em elitismo. Esta é a antinomia a transformar em contradição neste debate, saindo dos termos puramente lógicos com que ele é tratado e infundindo-o com História.
No que diz respeito ao apoio da centro-direita aos palhaços fascistas, acho que a situação é inversa: é a centro-direita que depende da extrema-direita para continuar existindo, ainda que marginalmente. Quem se radicalizou foi o eleitorado. Não programaticamente, mas sim pragmaticamente. Mudanças sociais e política de grande monta têm resultado em instabilidade para certos setores, que por isto se transformam em conservadores, reverberam as opiniões correspondentes à sua posição em diversos assuntos, e em tempos de redes sociais capturam a atenção dos produtores de mídia, que enxergam mais o conteúdo das redes sociais que o dos problemas reais.
Já sua observação sobre comédia, zuêra e extrema-direita, não vamos esquecer da longa história que isto tem. Ridentem dicere verum: quid vetat?, já dizia Quinto Horácio Flaco (65 AEC-8 AEC) nas Sátiras (Livro I, 1, 24), frase que pode ser traduzida como “dizer a verdade rindo: quem proíbe?”. Na mesma linha, castigat ridendo mores foi a inscrição criada por Jean-Baptiste de Santeul (1630-1697), poeta francês, para ser colocada em teatros, significando “castigue os costumes rindo”. O patrono da imprensa política brasileira, Aparício Torelly, satirista de marca maior, adotou-a em seu brasão numa forma levemente alterada.
A essência da sátira, como se vê, não está no poder, mas em sua crítica. Ocorre que os “populistas” surgem primeiramente como críticos ao poder. A ascensão do Partido da Lei e da Justiça na Polônia e sua chegada ao governo por meio da eleição de Andrzej Duda, assim como a ascensão da Aliança Cívica Húngara e sua chegada ao governo por meio da eleição de Viktor Orbán, tudo isto se dá em processos de oposição aos governos pró-UE e à própria UE.
A sátira não é positiva, ela é negativa, ela é destrutiva, ela não está aí há milênios para construir nada, a sátira é o gênero literário onde se aplica com maior propriedade o epíteto de “terra arrasada”. A sátira tem o botão foda-se quebrado no “on”, e por isto mesmo não é “de esquerda” ou “de direita”; pelo contrário, ela é de quem sacanear primeiro. A extrema-direita, quando está na oposição, toma a sátira de assalto: suas práticas conservadoras e reacionárias são alvo preferencial da sátira, mas como qualquer ser humano com mais de um neurônio sabe aproveitar-se da popularidade gerada por suas posições delirantes (nunca foi tão precisa a expressão “bater palma pra maluco dançar”), aquilo que deveria ser sua ridicularização é, na verdade, sua plataforma midiática. Quando não é isto, a extrema-direita também usa, ela própria, a sátira como ferramenta em sua posição oposicionista.
Ainda sobre este assunto, um contraponto interessante foi feito pela Vox quanto às recentes coletivas de imprensa da Casa Branca. Involuntariamente, o jornalismo explicativo deles foi ao ponto, pois mostrou, em vídeos não-seriados, um padrão muito curioso. Num primeiro vídeo, mostraram o caráter espetacular das coletivas de imprensa. Depois, num segundo vídeo, mostraram como não adianta checar fatos contra a enxurrada de merda. Por fim, fizeram um terceiro vídeo, talvez o mais interessante: mostraram como na imprensa estadunidense de hoje são os comediantes quem melhor cobre a Casa Branca.
Por que? Na leitura da Vox, com a qual concordo, comediantes são uns racionalistas desgraçados, esperam qualquer escorregão seu para te pegar de calças na mão; por isto mesmo, enxergam muito cristalinamente que só dá para lidar com a enxurrada de merda sacaneando. “O rei está nu!”
Enfim, é isso. Não vou tomar mais do seu tempo. Boa sorte aí com Rancière.
O artigo foi ilustrado com obras de Wassily Kandinsky