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Perseguição na Livraria Cultura em Olinda

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Um amigo chegou a dizer, emocionado ao chegar em uma das lindas lojas, que parecia um império. E é, a seu modo, e como todo império, sobrevive a custa do suor e da dor dos seus.

02/05/2019

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Por Olindo do Rato

Filho de Olinda e com a ausência de livrarias na cidade tive a oportunidade de acompanhar a abertura da primeira loja da Livraria Cultura em Pernambuco, no bairro do Recife Antigo, ainda na adolescência, em 2004. Quando cheguei aos 18 passei a deixar pelo menos um currículo por mês. Foram quatro entrevistas em alguns anos até conseguir entrar na loja recém inaugurada no Shopping RioMar. Era março de 2013 e enfim um antigo sonho se realizava. Infelizmente.

Logo no primeiro ano fui escolhido para ser “representante de loja”, o que me deixava responsável pela livraria na ausência dos gerentes. Isso possibilitou uma troca maior com outros funcionários, inclusive de outras lojas. Acompanhei a situação da demissão em massa ocorrida na loja de Curitiba. Quando vi o email intui que nossa chefia não deixaria barato. Não deixou. Naquele mesmo dia 18 pessoas foram demitidas, salvo engano, duas delas trabalhavam comigo em Recife, a milhares de quilômetros da loja de Curitiba, e apenas o fato de terem respondido o email mostrando solidariedade com a colega de trabalho lhes custaram o emprego.

A função de representante de loja não aumentava nem um real no meu salário, mas me dava a dinamica de “flutuar” entre as sessões, lendo um pouco de quase tudo. Teve aquele mês que me colocaram na sessão de livros de direito. Não deu outra, curioso que era passei a ler sobre leis trabalhistas e vi que apesar das lojas serem lindas tinha muita coisa errada: acúmulo de funções, não pagamento de horas extras e o famigerado banco de horas.

Na ocasião tínhamos uma por semana e um domingo de folga a cada três trabalhados. Comecei a perceber a partir daí algumas irregularidades e a trazer essas questões para as reuniões com os gerentes e equipe. Segundo o Sindicato dos Comerciários a cada dois domingos trabalhados o terceiro deveria ser de folga e era muito comum trabalharmos o primeiro domingo do mês e folgarmos só no último domingo do mês seguinte, somando seis domingos trabalhados seguidamente. Os gerentes na ocasião, Cássio Renovato e Carlos Dantas, defendendo os interesses exclusivos da empresa, não gostaram das minhas perguntas e passaram a efetuar uma onda de ataques pessoais a mim e a todos e todas colegas de trabalho que tinham alguma relação próxima comigo. Alguns permaneceram ao meu lado, outros não. Cada um faz suas escolhas para não passar fome.

Na loja, entupida de câmeras de segurança, apenas uma sala era livre de fiscalização: a sala do RH. Lá, por repetidas e incontáveis vezes, Cássio e Carlos me chamavam e na segurança de que não seriam denunciados me diminuíam enquanto trabalhador e ser humano e verbalizavam com todas as letras que fariam da minha vida um inferno até que eu pedisse demissão, que me fariam sair da livraria sem nenhum dos meus direitos, sob a acusação de que eu queria tumultuar o ambiente de trabalho e que se não estava satisfeito deveria sair.

Pelo menos uma vez por semana era chamado nessa sala e passei a entrar com o gravador do celular ligado. Uma vez quiseram me dar uma advertência escrita porque voltei atrasado da hora do almoço por 10 minutos. Qualquer advertência fazia com que o funcionário em questão perdesse o direito a comissão do respectivo mês. Me recusei a assinar e eles me ameaçaram com outra advertência. Me limitei a dizer que seria apenas gasto de papel e tinta, que não assinaria igual, o que os deixou furiosos.

Na livraria eu organizava o Clube de Leitura, uma parceria com a Companhia das Letras. Pelo menos uma vez por ano a Companhia organizava um encontro com os organizadores do Clube num grande encontro que acontecia em São Paulo, com passagem e estadia pagos pela editora. Porém Cássio, o primeiro gerente, entrou em contato com a Companhia para dizer que eu não iria porque minha presença era necessária na loja. Minha passagem de ida e volta, que já havia sido comprada pela Companhia das Letras, foram canceladas. Pessoalmente ele me lembrou que faria da minha vida um inferno e que se eu não pedisse demissão as coisas só iriam piorar para o meu lado.

As constantes ameaças, perseguição e assédio me fizeram procurar uma advogada que me aconselhou juridicamente, e com seu auxílio enviei um e-mail para Sérgio Herz, presidente e herdeiro da Livraria Cultura, relatando as violências cada vez mais corriqueiras. Logo em seguida entrei com uma ação judicial contra a livraria.

Nos últimos meses de trabalho desenvolvi crise do pânico e ansiedade. Não tinha paz ou qualquer tipo de contentamento dentro daquele lugar, apesar das lojas serem lindas. Tinha pesadelos em que me encontrava na sala do RH e era espancado por Cássio e Carlos. Comecei a fazer terapia e fui diagnosticado com depressão.

Duas semanas depois do meu e-mail o coordenador dos gerentes de toda a rede veio pessoalmente conversar com Cássio e disse que ele teria que demitir Carlos, seu subgerente e amigo. Logo em seguida o próprio Cássio foi demitido. Os dois foram levados pelos seguranças para fora da loja pela porta dos fundos. Porém nenhuma ação de reparação aos danos causados foram feitos e fui demitido por “justa causa”.

Na justiça se provou o que Sérgio Herz verbalizava em cada reunião que participava: que os seus contatos com juízes e sindicatos garantiriam o ganho para a empresa. Três anos de processo na justiça do trabalho (que deveria ser chamada de justiça do patrão) deram ganho de causa para a livraria, desconsiderando testemunhos e laudo médico comprovando os danos causados a minha saúde mental. Sai como Cássio e Carlos sempre falaram que eu sairia: com uma mão na frente e a outra atrás.

A cultura da livraria, apesar das lindas lojas, é a exploração dos seus trabalhadores e assédio moral. Um amigo chegou a dizer, emocionado ao chegar em uma das lindas lojas, que parecia um império. E é, a seu modo, e como todo império, sobrevive a custa do suor e da dor dos seus. Se é um império então que siga o exemplo dos outros que o antecederam e que encontre sua ruína, não ficando pedra sobre pedra.