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Ninguém solta a mão de ninguém, pra não largar o osso (1)

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Esconder a revolta que havia contra o PT serve para tratar os revoltados de então como uma massa de “manipulados” que foi o instrumento passivo dos “planos maquiavélicos” das forças maléficas que tiraram o PT do governo e causaram todos os retrocessos a seguir.

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Por Granamir

28/06/2019

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Leia a segunda parte deste artigo aqui e a terceira parte aqui.

1. Introdução

Todos têm acordo em dizer que as Jornadas de Junho de 2013 são o ponto de virada da situação política nacional. Depois daquele momento, forças políticas reacionárias aos poucos se apropriaram da ampla insatisfação, acumulada ao ponto de se tornar insuportável ao longo dos governos do PT, para construir o movimento que levaria à remoção de Dilma do governo em 2016, à prisão de Lula e finalmente à eleição de Bolsonaro em 2018 (certamente não de maneira linear e direta, mas não poderemos explorar aqui as diversas oscilações deste processo). No bojo desse movimento vieram pesados ataques contra os trabalhadores, como a PEC do teto de gastos, a reforma trabalhista, a lei da terceirização, a reforma do ensino médio, o assassinato de Marielle Franco, etc., ainda no governo tampão de Temer; e outros já no governo Bolsonaro, como o desmonte alucinado de várias políticas públicas e a mãe de todas as (contra)reformas, a da Previdência, que está em preparação para ir a votação no momento em que escrevemos.

O desacordo em relação ao entendimento do período pós-2013 começa quando se tenta explorar as razões profundas que explicam o porquê de as maiores manifestações populares da história do país terem terminado, mediante idas e vindas, contradições e oscilações, ao fim e ao cabo, com a imposição de uma agenda de retrocesso em diversos aspectos da vida social; ou ainda, quando se cogitam as alternativas que estavam à disposição e que poderiam ter resultado em outro desfecho. Existe desacordo porque uma parte dos interessados no debate sequer distingue a existência de no mínimo duas fases muito bem definidas nas Jornadas de Junho: uma primeira em que a juventude trabalhadora das grandes cidades se colocou em luta contra o aumento das passagens e arrastou consigo grandes segmentos da classe trabalhadora; e uma segunda em que setores das camadas médias da população começaram a ir às ruas com uma pauta difusa, que pouco depois foi instrumentalizada por setores da mídia como uma luta contra a “corrupção”, dirigida especificamente ao PT.

Ocultar a diferença entre essas duas fases serve a dois objetivos opostos: o primeiro deles é o dos setores que se beneficiaram politicamente da derrubada do PT, que usam as manifestações para legitimar esta sua operação de derrubada, como evidência de um suposto grande apoio “popular” ao seu projeto de poder, e neste “popular” se dissolvem intencionalmente as especificidades de composição social, relações materiais, demandas e reivindicações, ideologia e forma de organização dos públicos que serviram como núcleo das mobilizações de rua naquelas duas diferentes fases. O segundo objetivo é o dos defensores do PT, que também tratam todo o processo das manifestações como um só bloco homogêneo, mas com o objetivo de esconder o fato de que a revolta vinha inicialmente dos trabalhadores e estava dirigida contra o governo do PT, partido que já estava então em seu terceiro mandato presidencial e servia como fiel administrador dos interesses do conjunto do capital que opera no Brasil, um instrumento garantidor da exploração e da opressão.

Esconder a revolta que havia contra o PT serve para tratar os revoltados de então como uma massa de “manipulados” que foi o instrumento passivo dos “planos maquiavélicos” das forças maléficas que tiraram o PT do governo e causaram todos os retrocessos a seguir. Com esta narrativa, o PT se coloca como vítima de um “golpe” (nas considerações finais do texto explicaremos o por quê do uso da palavra “golpe” entre aspas, e não daremos nenhum spoiler aqui, de modo que o leitor terá que fazer o percurso inteiro se quiser satisfazer esta curiosidade) e como alternativa política e eleitoral diante dos retrocessos.

Negar as diferenças entre as duas fases das Jornadas de Junho viabiliza assim as explicações do campo petista, que vão do extremo delirante de afirmar que desde o começo as próprias manifestações contra o aumento das passagens e o MPL já eram os agentes de uma “guerra híbrida” do imperialismo para remover o PT, guerra que passou por um “golpe” contra Dilma e a prisão ilegal e casuística de Lula, para impedi-lo de concorrer às eleições, para assim eleger o “coiso” e fazer o país retroceder em uma série de supostas “conquistas” e “avanços”; até o pólo mais moderado e “autocrítico”, que admite que foram cometidos “erros”[1] nos governos do PT, mas que diante da ameaça “fascista”[2] ou de um eventual fechamento do regime, considera que neste momento é prioritário construir a unidade para lutar em defesa das instituições, do Estado democrático de direito, contra a prisão de Lula e também para, quem sabe, se tudo der certo, reverter toda esta tragédia nas próximas eleições.

Nos filiamos a outro campo, não muito definido e bastante multifacetado, e certamente ultraminoritário, que considera o petismo não como oposição nem muito menos como vítima da atual ofensiva reacionária[3], mas como corresponsável por ela. Seja por ação ou por omissão, o PT, como governo ou como direção dos principais organismos de massa do país, construiu as condições para o avanço das forças reacionárias que hoje controlam o Estado e pautam as ações e o debate na sociedade. Sendo assim, se a análise da realidade é diferente, a política a ser tirada não pode ser a mesma, e a linha de atuação não pode ser idêntica à do campo petista, tendo que ir em busca de alternativas que não passem por coisas como “não vai ter golpe”, “fora Temer” ou “Lula livre”. Se se considera o PT como corresponsável pela emergência desta ofensiva reacionária, o próprio PT não pode ser alternativa para escapar a ela, e algo diferente precisa ser construído.

Entretanto, não vamos aqui tratar especificamente dessa alternativa, e iremos apenas mencionar algumas das condições pelas quais o PT contribuiu para este cenário, sem um detalhamento exaustivo, porque o foco do texto não é também o próprio PT, mas na verdade a tentativa de elucidar uma outra lacuna pouco explorada no campo da explicação do pós-2013 a que nos filiamos. A questão que nos move é: por que aquela ampla insatisfação que mencionamos não foi organizada pelas forças anticapitalistas? Por que os partidos e organizações da classe trabalhadora, que inclusive faziam oposição política ao PT, não foram os beneficiários do desgaste do petismo? Por que a insatisfação popular foi tão facilmente capturada pelos setores reacionários, e as diversas organizações dos trabalhadores não tiveram nenhum ganho minimamente significativo, em termos de militância ou de influência?

De saída, descartamos a hipótese de que o próprio PT pudesse incorporar as reivindicações de 2013 e mitigar as causas profundas daquela insatisfação, porque o partido era, ao contrário, um instrumento da gestão capitalista do país. Como governo comprometido com os interesses do capital, e como direção dos movimentos sociais totalmente adaptados à colaboração de classe, o partido jamais poderia atender aos anseios populares cujas frustrações explodiram em Junho. Descartada de saída a hipótese da assimilação pelo PT ou de “correção dos rumos” do seu projeto, o que resta explicar é porque as organizações da chamada “oposição de esquerda”[4] ao PT não conseguiram também conduzir a insatisfação manifestada em Junho para um movimento de caráter anticapitalista ou sequer progressista. Essa é uma lacuna na explicação dos processos pós-Junho que a nosso ver ainda não teve uma resposta satisfatória, e para a qual procuraremos oferecer uma hipótese.

Para chegar a essa hipótese, um certo percurso preparatório se faz necessário, e para ele pediremos a paciência do leitor. Começaremos (na parte 2) com algumas características do sindicalismo brasileiro, que são essenciais para a discussão que queremos fazer sobre os projetos de organização da classe que vêm sendo postos em prática no país já há quase um século. Depois disso, uma passagem incontornável do debate é a discussão sobre a forma como o PT atuou, tanto como principal direção das organizações de massas (parte 3) como enquanto governo (parte 4), o que procuraremos fazer da maneira mais econômica possível. Finalmente, chegaremos ao X da questão, o porquê de a chamada “oposição de esquerda” ter sido praticamente inócua e irrelevante como alternativa em face da oportunidade histórica aberta por Junho (partes 5 e 6). Para completar, antes da conclusão, teremos que dizer também algumas palavras sobre o que se passou em outras formas e espaços de atuação por fora do movimento sindical (parte 7).

2. Características do sindicalismo no Brasil

Já no século XIX Marx apontava uma ambiguidade fundamental nos sindicatos: se de um lado eram organizações criadas pelos próprios trabalhadores para defender seus salários e condições de vida (o que significa na prática limitar-se a negociar um preço melhor para a venda da mercadoria força de trabalho), de outro lado, ao fazer isso, legitimavam precisamente o trabalho assalariado como horizonte das relações de produção e de vida. Por isso, para Marx, a luta imediata dos comunistas deveria ser sim por bandeiras como a redução da jornada de trabalho, podendo sim se utilizar dos sindicatos, mas sem nunca perder de vista a meta da abolição do trabalho assalariado[5], recomendação crucial (entre muitas outras) que foi depois desconsiderada por incontáveis gerações de militantes marxistas, convertidos em especialistas em negociação salarial.

Se há uma ambiguidade fundamental na forma sindicato, isso significa que ela pode ser empregada em duas direções possíveis, uma emancipatória e outra conciliatória, e a definição entre uma alternativa e outra seria dada pelo desenlace da disputa política em torno da orientação a ser seguida no movimento sindical, e também fora dele, em cada sociedade capitalista. No caso do Brasil, o sindicalismo classista e independente em que atuavam os anarquistas e revolucionários do começo do século XX foi esmagado pela repressão de Vargas (presidente entre 1930 e 1945 e depois de 1950 a 1954[6]) e substituído por um sindicalismo paraestatal de colaboração de classe (o que só foi possível, diga-se de passagem, porque havia setores dispostos a colaborar, diferentemente dos anarquistas). O sindicalismo paraestatal brasileiro construído na Era Vargas se estrutura em cima de alguns pilares fundamentais, dos quais selecionamos sete eixos principais para discussão:

1º) Exigência de reconhecimento estatal: só são aceitos nas negociações com a patronal os sindicatos que o Estado reconhece legalmente como representação dos trabalhadores, por meio do devido registro no Ministério do Trabalho e conforme as devidas exigências formais em relação a estatuto, documentos, etc. Com isso procura-se ocupar burocraticamente todo o terreno onde poderiam despontar formas de luta e organização, para evitar que os próprios trabalhadores criem formas independentes reconhecidas e controladas por eles mesmos como suas;

2º) Mediação da Justiça do Trabalho: o Estado interfere nas relações trabalhistas por meio de um ramo especializado do Judiciário que se coloca como árbitro supostamente neutro entre patrões e assalariados. A existência dessa estrutura ajuda a entranhar a ideologia jurídica entre os trabalhadores, colocando a esperança de que os conflitos possam ser resolvidos sem luta. Há também uma legislação de greve que coloca a exigência de notificação da patronal com antecedência para que a paralisação seja considerada válida, estabelece uma lista de setores essenciais nos quais não pode haver paralisação, prevê penas de multas e outras aos sindicatos e seus dirigentes em caso de descumprimento, etc., entre outros parâmetros que tornam inviáveis ações radicais, que são muitas vezes justamente as únicas que poderiam derrotar determinado setor da patronal. A judicialização das lutas tem como consequência a criminalização de todas as formas de ação que não se conformem ao limite da aceitação do trabalho assalariado, tais como greves políticas, greves de solidariedade, greves de ocupação, greves de surpresa, ações diretas, ou outras consideradas ilegais ou abusivas;

3º) Unicidade sindical: o Estado só reconhece um único sindicato de uma mesma categoria em uma base municipal. Isso faz com que os trabalhadores que tenham uma representação sindical não combativa e por acaso queiram se mobilizar estejam impedidos de criar formas próprias e independentes de luta, e os obriga a atuar por dentro dos sindicatos existentes e a tentar disputar a sua direção. Com isso perde-se tempo e esforço em disputas infrutíferas por dentro desses sindicatos, por vezes por muitos e muitos anos, pois muitas vezes tal disputa é completamente inviável, devido ao grau de degeneração burocrática, aparelhista ou mesmo de gangsterismo sindical que caracteriza a maioria dessas entidades;

4º) Imposto sindical: durante décadas (até 2017) o Estado cobrava compulsoriamente de todos os trabalhadores do país via desconto em folha, fossem sindicalizados ou não, um valor equivalente a um dia de salário por ano, para financiar os sindicatos, federações, confederações e, a partir de 2008, também as centrais sindicais[7]. Em 2017, último ano em que o imposto sindical foi obrigatório, o total arrecadado por entidades de trabalhadores foi de R$ 2,24 bilhões[8]. O imposto sindical viabilizava assim a existência de uma vasta camada de dirigentes sindicais acomodados em “sindicatos de cartório”[9], que só existiam para assinar acordos com a patronal, sem nenhuma atividade real de organização dos trabalhadores. Estabeleceu-se por esta via a figura do “sindicalista”, o dirigente sindical “profissional”, que pode ser combativo ou não, mas tem a sua sobrevivência material garantida independente de qual for o seu compromisso com a luta;

5º) Representação dos não sindicalizados: ao contrário de outros países, no Brasil os acordos assinados pelos sindicatos são válidos para todos os trabalhadores daquela categoria, independentemente de estarem ou não associados ao sindicato. Se por um lado isso serve como uma espécie de garantia de patamares mínimos ou de uma certa segurança em relação aos níveis de salários, direitos e condições de trabalho, por outro lado cria uma situação de acomodação e indiferença do trabalhador em relação ao sindicato que o representa. Além do elemento material citado acima de que o sindicato sobreviveria sem a contribuição dos sócios (graças ao imposto sindical, que era cobrado de todos, inclusive não associados), existe o elemento político de que o trabalhador não se envolve com a vida do sindicato, deixando-o entregue às mãos dos sindicalistas profissionais. Isso se reflete também em níveis relativamente baixos de sindicalização da força de trabalho[10];

6º) Economicismo e corporativismo: os sindicatos estão limitados a uma rotina de negociações salariais e pautados pelo calendário das datas base dos acordos coletivos. Adaptados a esse limite, os sindicatos não se envolvem em outros tipos de atividade ao longo do ano: não fazem esforços de organização de categorias precarizadas, terceirizadas, temporárias, não desenvolvem atividades culturais, formação teórica, lutas de segmentos oprimidos, etc. Especializam-se num determinado ramo de atividade econômica e não participam de lutas que acontecem fora dele, dificultando a formação de laços entre diferentes categorias de trabalhadores e a compreensão da necessidade da unidade de todos como classe;

7º) As garantias de estabilidade, inamovibilidade e liberação dos dirigentes sindicais: a princípio uma conquista dos trabalhadores para permitir que diversas atividades possam ser desenvolvidas pelos militantes nas direções sindicais sem a ameaça de demissão ou perseguição, mas que depois se torna a via para formar uma camada social de sindicalistas, acostumados a ficar muitos anos ou mesmo décadas afastados dos locais de trabalho, sem sofrer a pressão cotidiana da alienação do trabalho e impedindo o controle dos próprios trabalhadores sobre as suas entidades e suas lutas. Considerando que a legislação concede estabilidade durante o mandato e mais um ano para até 7 dirigentes e 7 suplentes por sindicato[11], e considerando o número de mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores existente no país (ver nota [9]), chegamos a um número possível de mais de 100 mil sindicalistas.

Isso sem falar na categoria dos funcionários de sindicatos, os quais, dados os hábitos aparelhistas dos grupos políticos que atuam no sindicalismo brasileiro, conforme discutiremos mais abaixo, muitas vezes são na verdade militantes desses mesmos grupos políticos. Esses funcionários, em muitos casos, nem sequer têm relação com a categoria, e são contratados como advogados, jornalistas, “assessores” ou mesmo funcionários administrativos, e frequentemente não desempenham nenhuma tarefa real a serviço da entidade que os contrata, e sim dos seus partidos. Nem todos os funcionários de sindicatos são necessariamente contratados com base em relações de aparelhamento, mas devido ao grau de distanciamento entre as categorias e suas entidades, as diretorias costumam desfrutar de bastante autonomia em relação aos gastos e contratações[12], sem estarem habituados a serem questionados, o que certamente dá margens para abusos.

***

Para completar, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT foi promulgada por Vargas em 1943 como se fosse uma dádiva do então ditador, apagando a história de décadas de luta dos trabalhadores por regulamentação da jornada, férias, previdência, etc. Partidos políticos aliados a Vargas (ou mesmo depois partidos desconectados do seu legado) perpetuaram o mito de que o Estado é o provedor das melhorias sociais, que se materializam necessariamente na forma de direitos, ajudando a fixar uma narrativa de que não é preciso construir uma mobilização permanente para conquistá-las, ampliá-las ou mantê-las. Essa narrativa é conveniente para os grupos políticos que ocupam as direções dos sindicatos, porque ajuda a legitimar o seu próprio papel como intermediários indispensáveis da relação dos trabalhadores com a patronal e o Estado. Os sindicalistas cuidam de tudo em lugar dos trabalhadores e obtém concessões do Estado, de preferência judicialmente e sem mobilização.

Essa estrutura sindical paraestatal era bastante permeável a outro vício das organizações políticas da classe, o aparelhamento, que é o uso do sindicato como “correia de transmissão” da linha ideológica e tática de um determinado grupo político ou partido, prática característica da tradição marxista-leninista e/ou trotskista. O grupo que vence uma eleição sindical passa a agir como dono da entidade, como se ela não fosse dos trabalhadores e eles não tivessem que se envolver, participar e deliberar sobre a linha de atuação. A diretoria passa a falar em nome dos trabalhadores como se todos concordassem com seu programa, desconsiderando a necessidade de fazer os trabalhadores compreenderem tal linha política, fazendo campanha eleitoral para o seu candidato com os recursos humanos e materiais da entidade, etc.

O aparelhamento se estende do sindicato para os organismos de base, como os corpos de delegados sindicais, diretores de base, comissão de fábrica, comissão de empresa, CIPAs[13], etc. A diretoria do sindicato coloca militantes do seu partido para concorrer a esses cargos e ocupar todo e qualquer espaço de organização disponível. Ou coopta trabalhadores dispostos a lutar para fazer parte do grupo da diretoria e se tornar mais um agente da sua política, seja via convencimento ou chantagem (velada ou aberta) com a ameaça de delação à patronal. De uma maneira ou de outra, os espaços de organização independentes têm que ser domesticados ou asfixiados pela burocracia sindical.

Do ponto de vista dos militantes sindicais coniventes com essa prática, o fato de ter ganho uma eleição sindical automaticamente lhes dá direito a aparelhar a entidade e os dispensa de consultar os trabalhadores sobre o que o sindicato faz no seu dia a dia. Isso despolitiza a categoria que o sindicato deveria organizar e reproduz no interior da classe a forma da política representativa que vige no Estado burguês, em que um eleitorado passivo delega a um político profissional a deliberação sobre todas as questões fundamentais, e tudo o que esse eleitorado pode fazer em caso de discordância com a diretoria é se conformar com a chance de tentar “votar certo” na eleição seguinte. O trabalhador enxerga a luta como algo que o “sindicato” (ou seja, a diretoria do sindicato) faz em seu lugar e que não depende da sua participação direta, como se fosse uma espécie de prestação de serviço. O sindicato se converte numa estrutura à parte e estranha, separada do dia a dia do trabalhador, um órgão “terceirizado”, que intermedeia negociações com a patronal ou ainda se dedica a atividades assistenciais, como convênios médicos, colônias de férias, cursos profissionais, etc.

3. O PT nos sindicatos

Em países nos quais existe uma menor tutela do Estado e maior liberdade de organização, os sindicatos se converteram mesmo assim, ao longo de mais de um século de história, em instrumentos de legitimação do trabalho assalariado como limite intransponível. Funcionam como formas de impedir as lutas autônomas dos trabalhadores, conduzindo todas as tentativas de mobilização e disposição de enfrentamento para a camisa de força das negociações salarias devidamente disciplinadas e regulamentadas (quer exista ou não um aparato jurídico como o da legislação sindical brasileira descrita em linhas gerais na parte anterior). Os dirigentes sindicais se constituem assim numa camada social em separado, a qual denominamos aqui de burocracia, cuja existência depende da continuidade da exploração capitalista e do trabalho assalariado, os quais fundamentam a sua posição como intermediários entre patrões e trabalhadores.

Como dependem da conciliação de classes para sobreviver, os burocratas sindicais desenvolvem interesses materiais próprios e opostos aos dos trabalhadores. De modo geral atuam como uma espécie de polícia a serviço da patronal entre os trabalhadores, sabotando as suas possibilidades de organização independente, delatando militantes que não se enquadram para serem demitidos pela patronal, perseguidos pelo Estado, etc. Em alguns casos, dependendo de cada país, desempenham funções sofisticadas, ajudando a gerenciar fundos de pensão, convênios médicos, atividades assistenciais, recreativas, etc., criando vínculos de dependência pessoal que também desencorajam a mobilização independente.

Sendo esse o papel dos sindicatos na maioria dos países, a única intervenção possível nas lutas de categorias organizadas tem que ser a que visa construir organizações completamente independentes, clandestinas se for o caso, mantendo-se assim enquanto for preciso, capazes de desenvolver paulatinamente e sustentar a luta sem depender do aparato sindical, jamais tendo como objetivo meramente construir chapas para disputar a direção das entidades sindicais, recusando as armadilhas que levam à institucionalização e à absorção pela patronal e pelo Estado, ultrapassando os limites corporativos e economicistas em direção à unificação da classe e se colocando objetivos estratégicos de muito longo alcance.

No caso do Brasil, o que tivemos foi o oposto disso, pois predominou a adaptação das organizações militantes à estrutura sindical paraestatal dada, sob o pretexto de diversos tipos de estratégias reformistas, de acumulação de forças, etc., sempre tendo a conquista do aparato sindical como pré-requisito para desenvolver um suposto trabalho de organização, e não o contrário. Primeiro monta-se a chapa, disputa-se e ganha-se a direção do sindicato, e depois começa-se a organizar a categoria para a luta; esse é o roteiro que é posto pelas organizações políticas na cabeça de todo militante que entra numa categoria organizada no Brasil.

Enquanto esse trabalho de organização não pode se desenvolver ou não dá os frutos esperados, é preciso permanecer a qualquer custo na direção das entidades, perpetuando-se os mesmos dirigentes e seu grupo político no controle, mandato após mandato. Até que, num belo dia, passado algum tempo, aqueles militantes combativos do passado já se tornaram sindicalistas profissionais, negociadores habilidosos, acomodados e bem adaptados, que não sabem mais qual era o objetivo daquele trabalho de organização proposto num passado longínquo, e tratam de impedir que haja qualquer outra tendência política influenciando a categoria. Se converteram em burocratas.

Todos esses vícios da estrutura sindical brasileira foram tolerados pelas organizações políticas que neles atuaram e foram reproduzidos mesmo nos momentos de maior ascenso das lutas e intensa participação dos trabalhadores (com raríssimas exceções, como o MOMSP – Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo, das décadas de 1970 e 1980[14]). Desde a Era Vargas até 1964, o antigo PCB, apelidado “partidão”, era a principal força política dirigindo os sindicatos no Brasil. Num primeiro momento os militantes do partidão eram perseguidos pelo varguismo, mas logo depois passaram a atuar em aliança com ele, conforme a linha stalinista. O golpe militar de 1964 pôs fim à influência de ambos e a ditadura que se estabeleceu colocou nos sindicatos uma leva de dirigentes impostos diretamente pelo Estado, os chamados “pelegos”. No fim dos anos 1970, com a retomada das greves e outras lutas, novos dirigentes combativos começam a vencer as eleições sindicais e varrer os pelegos das direções, no contexto de um conjunto de lutas sociais mais amplas, que ajudaria a pôr fim à ditadura.

Esses novos dirigentes sindicais se alinham politicamente com o movimento que daria origem ao PT em 1980 (onde se combinam militantes de movimentos sociais animados pela teologia da libertação, intelectuais e acadêmicos, remanescentes da luta armada e grupos trotskistas), e em 1983 reúnem militantes de várias categorias para fundar a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Os sindicatos cujas eleições eram vencidas por novas direções combativas vão sendo filiados à CUT ou a federações estaduais e regionais e confederações nacionais ligadas a ela. Desde aquele primeiro momento o grupo dos sindicalistas se torna a fração dirigente do PT, com o nome de Articulação[15], e os seus integrantes detém o controle da maioria dos sindicatos retomados para a luta e também da CUT.

Depois de um início promissor em relação à luta contra a estrutura sindical, a tendência que prevaleceu na CUT depois de poucos anos foi de se utilizar da estrutura sindical paraestatal existente tal como estava, deixando de lutar para remover os entraves legalistas que impediam uma organização independente dos trabalhadores. Da mesma forma, o projeto delineado para o PT era de um partido que disputasse eleições para os cargos executivos e legislativos, propondo-se a gerir o Estado, ao invés de procurar construir um movimento anticapitalista. Essas tendências prevaleceram no PT e na CUT, a despeito da presença de correntes socialistas atuando como tendências internas e outras por fora da sua estrutura. O PT assim tomou posse dessa estrutura sindical paraestatal herdada do antigo varguismo e a aparelhou violentamente. A Articulação assume o controle da CUT e a transforma em braço do partido e instrumento para transmitir a sua política ao movimento.

Da década de 1990 em diante a direção petista da CUT trocou a combatividade pelo chamado “sindicalismo cidadão”, que prioriza a negociação, a conciliação, a busca de acordos, a participação em instâncias tripartites com a patronal e o Estado, câmaras setoriais, estruturas gerenciais do FAT[16], etc. Além disso, assim como os chamados pelegos que dirigiam os sindicatos na época da ditadura e seus herdeiros (que em 1991 se uniram para fundar uma central concorrente, a Força Sindical, chamada às vezes apenas de Força, e também apelidada de “Farsa sindical”), a CUT passou também a atrelar os interesses dos trabalhadores aos das empresas, condicionando os salários, direitos e condições de trabalho ao lucro dos capitalistas. A partir dos anos 1990, passou a ser comum aceitar acordos lesivos que cedem conquistas em termos de salários, jornada, benefícios, condições de trabalho, etc., em troca da promessa de manutenção dos empregos (promessa reiteradamente descumprida pela patronal). Outra marca registrada desse momento foi deslocar as expectativas do atendimento das reivindicações dos trabalhadores para o momento em que Lula fosse eleito para a presidência.

Neste meio tempo, enquanto não se alcançava o objetivo do “Lula lá”, os sindicatos se agigantaram como máquinas impressionantes, com considerável poder político e financeiro. Entidades como o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (berço de Lula) ou a APEOESP (que representa os professores da rede pública do Estado de São Paulo, com mais de 180 mil filiados, em uma categoria com mais de 380 mil trabalhadores[17]) catapultam os seus dirigentes para a direção das respectivas confederações e da CUT, e para a condição de figuras políticas de peso nacional, abrindo caminho para as candidaturas aos cargos no Estado. Outros, como o dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SEEB-SP), com mais de 140 mil trabalhadores na base[18], se convertem em conglomerado empresarial, com gráfica, financeira, cooperativa habitacional, faculdade, participação em ONGs, órgãos de mídia (TVT, Rede Brasil atual), etc. E ainda, porta de entrada para a participação de sindicalistas na gestão dos fundos de pensão dos funcionários das estatais (PREVI, FUNCEF, PETROS, etc.), que por sua vez garante assentos nos conselhos de administração de centenas de empresas das quais os fundos possuem ações. Assim, os sindicalistas se transformam diretamente em empresários.

Em relação à perda de combatividade da CUT e dos sindicatos, não abordaremos aqui como isso se relaciona com o fato de que, no mesmo momento em que se adotava o sindicalismo cidadão, do lado da patronal foi também desfechada uma violenta ofensiva contra as organizações e direitos dos trabalhadores na forma da chamada “reestruturação produtiva”, toyotismo, reengenharia, qualidade total, etc.; do lado do Estado foram lançadas várias políticas chamadas neoliberais, como privatizações, desregulamentações, abertura comercial, medidas de austeridade, etc.; e no campo da disputa ideológica, por meio de intelectuais, universidades, imprensa, igrejas, etc., uma ofensiva em termos de “fim da história”, “fim do sujeito”, “fim do trabalho”, “fim do proletariado”, “fim do socialismo”, “fim do marxismo”, etc. Não nos deteremos no debate sobre essas formas de ofensiva patronal e estatal, apenas assinalamos a coincidência de que, no momento em que o capital e o Estado se tornavam mais agressivos, o sindicalismo se tornava mais defensivo e conciliatório.

Notas

[1] É curioso que quem fala em “erros” do PT sempre os trata como se fossem meros detalhes, que não comprometem o conjunto do projeto, e está sempre disposto a dar um novo voto de confiança, não só eleitoral, mas político, para que o PT continue como referência. Permitem que Lula e o PT saiam incólumes, com um simples puxão de orelha “crítico”, e começam tudo de novo. “É a maior organização de massas do país”, ou “Lula ainda é o maior líder popular da história”, ou ainda, “é preciso dialogar com os trabalhadores”, costumam dizer. E não percebem que, enquanto continuarem dizendo isso, vão continuar reforçando a propaganda que emana do próprio PT, e reforçando esse papel de referência. É certo que não depende apenas da escolha e da vontade de militantes que quiserem fazê-lo a construção de outra referência, mas se estes nem sequer derem o passo de se decidir de uma vez a querer fazê-lo, aí sim, essa construção nunca vai acontecer. Sobre o que consideramos aqui como “erros”, ver a parte 4 deste texto, onde detalhamos alguns motivos pelos quais consideramos que o conjunto do projeto petista precisa ser superado.

[2] Nossa posição é de que o fascismo clássico é um fenômeno restrito aos países imperialistas de constituição tardia, como Alemanha e Itália, que chegaram tarde demais na concorrência com as potências tradicionais, num contexto de guerras mundias, revolução socialista, intensa mobilização operária, organizações socialistas de massas e insatisfação social generalizada com o capitalismo liberal. O fascismo explora a revolta das camadas médias e de parte dos trabalhadores para subverter as instituições da democracia burguesa, estabelecer regimes ultra-autoritários, esmagar o movimento operário e a militância socialista e resolver as contradições interimperialistas por meio da mobilização nacionalista para a guerra.

No Brasil atual quase todos esses elementos estão ausentes, com exceção de uma certa revolta das camadas médias com a deterioração da sua condição material na sequência de uma forte crise econômica. E também elementos da psicologia de massas do fascismo, tais como seu conservadorismo moral, sua obsessão com a sexualidade (os conservadores não gozam, por isso querem impedir o gozo alheio) e os costumes em geral, seu desejo de ordem e uniformidade, transformado em ódio contra as minorias e a diversidade, e a nostalgia por algum passado mitológico supostamente idílico (a ditadura, o Império ou até as Cruzadas, dependendo do grau de delírio), tudo isso convergindo para uma identificação narcísica com um líder, um ser ao mesmo tempo medíocre e messiânico, um “pequeno grande homem”, como dizia Adorno (em “A teoria freudiana e o modelo fascista de propaganda”, de 1951).

Entretanto, esses elementos em si são insuficientes para caracterizar o atual movimento como fascista, estando ausentes especialmente aquela forte mobilização operária em um movimento socialista organizado e a pretensão de resolver militarmente as pendências com o imperialismo e países concorrentes. Sem esses elementos materiais e políticos, para além daqueles de ordem psicossocial, seria muito impreciso caracterizar o atual movimento como fascista. Mas dizer que este movimento não é fascista não significa dizer que ele não seja extremamente perigoso e nefasto, pois se trata de um desrecalque e transbordamento de tendências autoritárias atávicas da sociedade brasileira, conforme a nota [3] a seguir.

Essa reatualização desenfreada das formas autoritárias inerentes à sociedade brasileira se alimenta da ausência de formas de organização para luta por onde pudesse se canalizar a revolta contra as mazelas do capitalismo, a qual acaba assim conduzida para uma espiral de violência autofágica, com alguns ecos do fascismo histórico, mas que a nosso ver representa uma forma muito nova e específica do atual tempo histórico. Por último, cabe ressaltar que o recurso abusivo ao termo fascismo funciona como uma espécie de espantalho, que evoca o máximo grau de malignidade concebível, diante do qual, portanto, há que se recolher as bandeiras, abrir mão de princípios e de independência, para fazer todos os tipos de alianças possíveis. Por isso, todo cuidado é pouco com as caracterizações políticas.

[3] Quando falamos de “ofensiva reacionária” neste texto, não estamos dizendo que o Brasil era uma sociedade “democrática” e tolerante que subitamente se tornou autoritária e brutal, muito pelo contrário. O Brasil sempre foi um país fraturado em dois, com uma sociedade oficial, para a qual existe Estado, lei, direitos, imprensa, universidade, empregos, consumo, etc., e uma sociedade não oficial, cujas vidas não contam, e que sempre conviveu com a miséria e a brutalidade do capitalismo periférico. Essa sociedade oficial nunca cobriu mais do que, digamos, 30% da população, aproximadamente, e o que é chamado de “fascismo” (ver nota anterior) é apenas a tênue ameaça de que o modo de vida barbarizado dos demais 70% vai engolfar esses restantes 30%.

Na falta de um nome melhor ou de um conceito mais preciso, chamamos de ofensiva reacionária o movimento de ataque contra o verniz de civilização que tinha sido construído no país desde a redemocratização, com seu arcabouço de instituições e crenças reformistas no Estado democrático de direito, e que agora desmorona com a crise do nosso capitalismo periférico. Essa ofensiva reacionária vem como um desrecalque de tendências políticas, ideológicas e psicossociais latentes na sociedade brasileira, que encontram terreno adequado para proliferação num contexto de avanço da crise, desmonte dos vestígios de bem-estar social precariamente esboçados e agudização da concorrência econômica entre as classes e os indivíduos. Trata-se de uma atualização dos traços autoritários da história do país, em sintonia com o processo mundial de crise do capitalismo e agravamento das tendências destrutivas do sistema.

Quando falamos de tendências autoritárias, lembramos que o Brasil foi construído em cima do genocídio dos índios, da escravização dos negros, do esmagamento em fogo e sangue de todas as tentativas de ruptura dessa ordem construídas pelos trabalhadores, desde Palmares a Canudos, de uma forma de Estado intrinsecamente impermeável à participação popular e cujo usufruto e exclusividade é defendido brutalmente por uma elite predatória. A crença ilusória de que as massas populares poderiam participar em algum nível da gestão do Estado, crença que esteve no centro da estratégia política democrático-popular prevalecente entre as organizações dos trabalhadores nas últimas décadas, é o que está sendo desmentida cabalmente nesse momento de ofensiva reacionária. E a defesa contra essa ofensiva não pode ser a reciclagem de tais crenças ilusórias e sua correspondente estratégia, mas a defesa radical da destruição do Estado e dessa ordem social como um todo.

[4] Colocamos “oposição de esquerda” entre aspas por dois motivos. Primeiro porque, conforme tentaremos demonstrar ao longo da argumentação, não se trata de uma oposição real e sim de coadjuvantes que não trazem um projeto qualitativamente diferente. Segundo porque não existe “esquerda” nem “direita”, existem classes sociais e seus respectivos projetos políticos, de superação do capitalismo ou de defesa dele.

[5] “Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas, são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado”.

Esse texto foi redigido por Marx para um informe na Associação Internacional dos Trabalhadores, a I Internacional, em 1865. Esse informe foi depois publicado em 1898 como parte do livro “Salário, Preço e Lucro”. A versão acima foi copiada daqui.

[6] Em 1930 Getúlio Vargas perde a eleição presidencial para Júlio Prestes, mas lidera um movimento armado, depois chamado de Revolução de 1930 (que encerra a República Velha e a política do “café com leite”), pelo qual assume o poder provisoriamente. Em 1934 são organizadas eleições e Vargas é eleito presidente. Em 1938 estavam previstas novas eleições, mas em 1937 Vargas realiza mais um golpe de estado e governa como ditador até 1945, no que foi chamado de Estado Novo. Sendo derrubado em 1945 por um movimento militar, Vargas concorre a eleições novamente em 1950 e vence, mas em 1954 comete suicídio.

[7] Em 2008, no segundo mandato de Lula, foi promulgada a lei 11.648, que reconhecia a figura das centrais sindicais, acima das confederações e federações de sindicatos, podendo representar diversas categorias. O artigo 5º dessa lei alterou os artigos 589, 590, 591 e 593 da CLT, alterando a distribuição das verbas do imposto sindical na seguinte forma: 60% para o sindicato, 15% para a federação, 5% para a confederação, 10% para a central sindical e 10% para uma “Conta Especial Salário e Emprego” administrada pelo Ministério do Trabalho.

[8] Matéria que trata do quanto os sindicatos deixaram de arrecadar depois que a Reforma Trabalhista aboliu o imposto sindical e apresenta o montante arrecadado em 2017, último ano em que ele foi obrigatório.

[9] Segundo estudo do IPEA de 2016, havia 10.817 sindicatos no país, agrupados em 423 federações, confederações e centrais, num total de 11.240 entidades representativas dos trabalhadores.

[10] Ainda segundo o mesmo estudo citado na nota anterior, havia 17,34 milhões de trabalhadores sindicalizados, numa força de trabalho total de 107,17 milhões, o que equivale a 16,2%.

[11] O artigo 543 da CLT, no seu parágrafo 3º, estabelece a estabilidade dos dirigentes sindicais e foi recepcionado na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 8º, inciso VIII. Por sua vez, o artigo 522 da CLT limitou o número de dirigentes estáveis a 7 titulares e 7 suplentes, o que foi depois confirmado pela súmula 369 do TST e julgamentos do STF.

[12] Em 2017 havia 300 mil trabalhadores prestando serviços para os sindicatos, sendo 115 mil como contratados diretos e o restante indiretos, de acordo com dados do DIEESE, citado em matéria que também trata das dificuldades financeiras dos sindicatos.

[13] Comissões Internas de Prevenção de Acidentes de trabalho – CIPAs são órgãos previstos na legislação trabalhista (artigo 163 da CLT e Norma Regulamentadora 05 do Ministério do Trabalho – NR05), com a função de zelar pela saúde e segurança nos locais de trabalho, como seu nome indica. As CIPAs são obrigatórias para estabelecimentos com mais de 20 funcionários, conforme uma tabela contida na NR05, com um número de integrantes indicados pela empresa e outros eleitos pelos trabalhadores. Na imensa maioria das empresas privadas, em que não há nenhum tipo de estabilidade ou garantia contra demissões, as CIPAs são muitas vezes a única forma disponível de praticar algum tipo de militância e desenvolver alguma organização nos locais de trabalho.

[14] Um dos casos exemplares de organização na história do movimento sindical brasileiro foi o Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo – MOMSP, que durante décadas organizou militantes e ativistas na mais importante base operária do país. A categoria dos metalúrgicos chegou a ter 400 mil trabalhadores na base do município de São Paulo. Os dirigentes sindicais ligados ao PCB foram cassados pela ditadura em 1964 e em seu lugar foram instalados os chamados pelegos, dirigentes dedicados à colaboração de classe, dos quais o maior símbolo foi o lendário Joaquinzão, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo.

Contra os pelegos o MOMSP disputou eleições para o sindicato dos metalúrgicos de São Paulo em 1969 e 1972, no auge da ditadura. Em 1978, 1981 e 1984, em pleno processo de luta pela democracia formal e com grande ascenso de lutas operárias e lutas sociais em geral, as chapas do MOMSP venceram a eleição entre os trabalhadores nas fábricas, mas foram impedidas de tomar posse por intervenção direta do Ministério do Trabalho e por fraudes com os votos dos aposentados. O MOMSP disputou ainda eleições em 1987, dividido em duas chapas, e em 1990 e 1993, já no refluxo, já contra a Força Sindical, enfrentando o neoliberalismo e a reestruturação produtiva.

Mesmo nunca tendo chegado à direção do sindicato, o MOMSP funcionou na prática como a verdadeira organização e representação dos trabalhadores. O movimento estava no dia a dia das fábricas, através das CIPAs, lutando por melhores condições de trabalho. Seus militantes organizavam os piquetes e conduziam as greves, independentemente do sindicato pelego. Em 1979 o MOMSP negociou o acordo que encerrou a campanha em lugar da diretoria, tamanha a sua representatividade.

A inspiração do MOMSP estava nos militantes do anarcossindicalismo do início do século XX, com suas práticas de organização independentes do Estado, dos partidos, da Igreja, etc. Sua principal ferramenta de construção era o trabalho de base, em que se sobressai o exemplo pioneiro da comissão de fábrica da Cobrasma de Osasco na década de 1960, modelo de organização no local de trabalho que o movimento tratou de multiplicar.

Além da combatividade, da independência e do trabalho de base, o MOMSP serve ainda como exemplo por duas outras importantes qualidades. Primeiro, a quantidade colossal de publicações, entre panfletos, boletins por região ou por fábrica, “mosquitinhos” de greve, cadernos de formação, cordéis e até livros. O movimento realizava atividades de formação e cursos para trabalhadores e ativistas, com a participação de importantes intelectuais, o que demonstra a preocupação em ir além das lutas por melhorias econômicas.

O segundo aspecto pelo qual se notabilizava o MOMSP era o seu funcionamento interno democrático. O MOMSP não era aparelhado por nenhum partido ou organização. Militantes de qualquer agrupamento apresentavam suas propostas, que tinham que se submeter ao voto da maioria. Nesse ambiente conviviam militantes de praticamente todas as correntes da esquerda brasileira, do PT, do PCB, da pastoral operária, dos grupos que vinham da luta armada, correntes trotskistas, etc., caso raramente visto na história.

A história do MOMSP, seus documentos e publicações estão disponíveis na internet. Para estudo das novas gerações e preservados na memória dos lutadores que construíram esse raro fenômeno de unidade e respeito aos trabalhadores de base (texto do Coletivo Bancários de Base).

[15] O nome dessa tendência foi tirado do seu documento programático fundacional, o “Manifesto da Articulação dos 113”, publicado em 1983 e assinado por um grupo de figuras públicas, entre os quais Lula e os mais importantes sindicalistas, bem como remanescentes da luta armada e representantes da teologia da libertação. O grupo dos 113 passou a ser a tendência dirigente do PT e da CUT e impôs uma linha reformista, social-democrata, de ocupação de espaços no Estado e instrumentalização das lutas e dos movimentos sociais para fins eleitorais, que depois seria sistematizada no programa democrático-popular, de 1987.

[16] O FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, é um fundo ligado ao Ministério do Trabalho, que administra os recursos responsáveis pelo Seguro Desemprego, abonos do PIS/PASEP e programas de desenvolvimento, uma parcela dos quais é administrada pelo BNDES. O FAT é gerido por um Conselho Deliberativo – CODEFAT, dos quais fazem parte órgãos do governos federal, representantes de entidades patronais, e pelo lado dos trabalhadores, os representantes das centrais sindicais reconhecidas (ver nota [48]).

[17] O número de professores do ensino oficial do Estado foi consultado na página do IBGE; o número de professores filiados na página da própria APEOESP.

[18] Informação da página do próprio SEEB-SP.

As imagens que ilustram o artigo são de Henri Matisse

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