Por João
Meu nome é João, trabalho nesta fábrica
há 8 meses desempenhando uma função das mais exaustivas dos 5 grandes
setores da fábrica. Sendo elas: “Matéria-prima e bamburys”,
“semiprontos”, “confecção”, “vulcanização” (que é onde trabalho) e o
“acabamento”. Nesses setores todos, as condições de trabalho são
precárias, com máquinas extremamente “idosas” que quebram todos os dias
ao menos uma vez, causando acúmulo de trabalho atrasado (pois a produção
não para nunca!).
No último mês de dezembro, junto com a
economia mundial em beiras de uma crise avassaladora, a Pirelli Campinas
demitiu cerca de 200 funcionários dos mais variados, operadores em sua
maior parte, mas também gente da chefia, aposentados, lesionados, os
ditos “meia boca” (que não conseguem deixar a mais-valia comer solta em
sua carne)… Com a conivência do sindicato, que em anos de história já
conseguiu dividir uma base de quase 10 mil trabalhadores da indústria de
borracha na região de Campinas em um sindicato por empresa (Campinas:
Pirelli e Bridgestone, Americana: Goodyear; nas demais cidades da região
empresas menores, nacionais e “menos importantes” pro sindicato). Sendo
assim, num quadro de 2200 funcionários, em um mês esse número baixou
muito, mas logo veio outro facão.
Em março, cheguei um belo dia na
fábrica, eu, que trabalho no segundo turno, encontro com um colega do
primeiro que fala “mulequinho, enfia o celular no cú, porque se os cara
pegar cê roda também!”… Chegando no meu posto, vi que não estava normal o
fluxo de trabalho, e tava bem pequeno… Fui olhar pras máquinas que
abastecem o meu posto, estavam faltando 6 operadores, de 10 que
trabalham ali… Pois bem, neste mesmo dia, no final do turno, havia uma
van esperando pelos próximos alvos do facão no terceiro turno. Ao final,
foram mais quase 200 pra vala…
A Pirelli em Campinas é popularmente
conhecida como “mãe”, por isso quando você fala pra alguém que você
trabalha lá é provável que você vá ouvir “nossa que bom, lá o salário é
ótimo, neh?!” Ou “aaah, a Pirelli é uma mae, neh?!”. A verdade é que
quem diz isso provavelmente não trabalha nem nunca trabalhou lá… Eu
entrei ganhando menos de nove reais a hora, até que não é tão ruim em
vista do que essas “grandes multinacionais” instaladas aqui na região
tão fazendo com a reforma trabalhista valendo. A grande questão é que o
teto deste salário é tão baixo que dá pra comparar com das senzalas.
Outra grande questão é que o tal “dois anos para igualar” o salário é
burlado e usurpado pela empresa, com quase dois anos de congelamento dos
“aumentos” (que nada mais são que progressões da categoria, que são,
vale dizer, uma conquista história da classe operária brasileira). Fora
essa progressão, não há aumento salarial real algum!
Como consequência das demissões em massa
(prevendo um próximo facão pra no máximo dois meses), a ultracarga de
trabalho se torna cada dia maior, perdemos nos últimos seis meses os
horários de café (20 minutos), operamos mais de uma máquina ao mesmo
tempo, e muitas vezes fazemos funções de diversas áreas pois “está
sobrando mão de obra”, diz a chefia… Isso só no meu setor, na matéria
prima-as condições de um ser humano habitar aquilo é somente por extrema
necessidade do emprego! Os exaustores quebram e todo o pó preto
emborrachado fica no ar da fábrica, névoa de pneu no pulmão do
proletariado. E tudo isso com o mínimo de EPIs possível, só o básico
mesmo pra não dizer que não tem. Muitos companheiros voltam pra suas
casas dopados de remédios pra dor muscular, chegam pra trabalhar tomando
remédio e vive pra trabalhar num ambiente que só mata.
Em 2012 houve a primeira greve na
fábrica da Pirelli Campinas, a produção foi paralisada por 48h, turno
após turno, com a pauta explícita: “contra o assédio moral!” “Por
melhores salários e condições de trabalho”, vejam os vídeos no YouTube (aqui e aqui) e vejam como a luta foi bonita.